A organização criminosa desmantelada na
Operação "Athos", da Polícia Federal, abastecia o tráfico na maior
favela do Brasil: a Rocinha. Outros morros cariocas também recebiam
fornecimento de drogas enviadas de Juiz de Fora. Essa é uma das
principais revelações do inquérito obtido com exclusividade pela
Tribuna, que serviu de base para a prisão, este mês, de 13 pessoas da
cidade, entre elas, o juiz Amaury de Lima e Souza, suspeito de assinar
sentenças que beneficiavam traficantes. O documento reforça o papel
fundamental do município no tráfico internacional de drogas, cuja
movimentação aérea indica existência de rotas na Bolívia e Paraguai.
Também há citação de abastecimento do mercado europeu. Por terra, a
distribuição ocorria pelo Triângulo Mineiro e pelo interior de São Paulo
até a mercadoria chegar na cidade e ser redistribuída no Rio de
Janeiro. A investigação também trouxe à tona o estreito relacionamento
da organização com integrantes da facção criminosa conhecida como
Primeiro Comando da Capital (PCC). Além de drogas, principalmente
maconha, cocaína e pasta base da substância, os suspeitos são
investigados pela compra e venda de armas de grosso calibre, como o
fuzil AK-47.
No inquérito da Polícia Federal, há várias indicações da negociata
entre traficante de Juiz de Fora e as lideranças de facções criminosas
das favelas do Rio. Em uma das conversas interceptadas pela polícia, um
dos suspeitos de integrar o PCC discute com o juiz-forano o atraso no
envio de droga da Bolívia, em função das chuvas e enchentes naquele país
e a necessidade de fazer chegar o material ao Rio. Em outra conversa,
no dia 18 de fevereiro deste ano, um dos integrantes da organização diz
para o traficante de Juiz de Fora manter a liderança da quadrilha. "Para
o povo daqui, quem controla a Rocinha é você", afirma. Já em março
deste ano, o mesmo traficante da cidade orienta seu comparsa a chegar na
favela carioca Morro do 18 e avisa que ele não se preocupe com os
homens fortemente armados que encontrará pelo caminho. "Pede para bater o
rádio a qualquer um que você vir armado. Pode ficar tranquilo que lá é
tudo nosso." O homem foi ao Morro do 18 buscar dinheiro para pagamento
de novas cargas de cocaína que seriam entregues ao núcleo de Juiz de
Fora que, por sua vez, entregaria parte da mercadoria a outros
traficantes do Rio. No mesmo mês, o suspeito preso em Juiz de Fora,
apontado como um dos principais fornecedores do homem que abastece o
Alemão, Favela da Maré, Serrinha e Acari, reclama do prejuízo estimado
em R$ 2 milhões após operação policial no Complexo do Alemão.
Investigação confirma poder financeiro
A investigação da Polícia Federal aponta, ainda, o poder financeiro
da organização criminosa da cidade que, mesmo tendo diversos
carregamentos interceptados (ver quadro), continuava a fechar negócios
milionários até a véspera das prisões, ocorrida no dia 10 de junho. Em
uma das intervenções, R$ 1 milhão em espécie foi apreendido no dia 13 de
dezembro de 2013, após a Federal descobrir que o dinheiro seria
entregue como pagamento de um carregamento de drogas que partiu da
Bolívia, com destino ao Triângulo Mineiro e a Juiz de Fora.
Em mensagem interceptada pelos agentes, o traficante da cidade
queixa-se do prejuízo causado pela localização do dinheiro (ver quadro).
No entanto, dois dias depois, ele já havia levantado mais R$ 840 mil
para pagamento de droga. Oito dias depois, em uma nova conversa, o
traficante de Juiz de Fora combina a chegada de 400kg de droga para a
cidade, mercadoria negociada por R$ 757 mil. Na mesma mensagem, ele é
convidado a conhecer o local onde o entorpecente é enviado da Bolívia. O
domínio da organização é novamente confirmado quando um traficante do
Ceará, transferido para Juiz de Fora em sentença assinada pelo juiz
afastado Amaury de Lima e Souza, da Vara de Execuções de Juiz de Fora,
empresta o seu avião particular, chamado de nave pelos traficantes, a um
comparsa mineiro para o transporte de entorpecentes (ver quadro).
Também chama a atenção a quantidade de empresas de fachada abertas e a
movimentação financeira em contas de "laranjas", no intuito de
despistar a prática ilícita do financiamento ao tráfico de drogas. Outro
objetivo era dar "ar de legalidade" às transações criminosas. Uma casa
na cidade, no valor de R$ 1,2 milhão, foi negociada e paga com droga
pelo traficante transferido do Ceará para Juiz de Fora, segundo o
inquérito. Outro dado importante é o acesso da quadrilha a gerentes de
banco. Em abril deste ano, após membros da quadrilha perderem R$ 70 mil
dos R$ 120 mil guardados no interior de um pneu de carro, os suspeitos
ligam para uma agência bancária da cidade e solicitam ao gerente a troca
das notas queimadas em função de o pneu ter estourado durante uma
viagem de São Paulo a Juiz de Fora. O pedido é atendido pelo funcionário
que, além de não questionar a história, não se negou a receber vantagem
financeira pelo favor prestado ao bando.
Poder de fogo
No mesmo relatório, que serviu para a Justiça embasar os pedidos de
prisão preventiva dos suspeitos, é detectada a negociação de armas de
grande potencial ofensivo. Em uma das mensagens interceptadas pela
Polícia Federal, o traficante de Juiz de Fora oferece fuzis aos
comparsas do Rio. Um deles, ofertado a R$ 45 mil, é negociado para o
"patrão" da favela de Acari. Na mesma conversa, são oferecidos dez mil
quilos de maconha a R$ 500 o quilo, totalizando R$ 5 milhões. Aliás, o
intermediário do morro carioca hospeda o traficante mineiro em Ipanema,
bairro nobre da Zona Sul do Rio. Em fevereiro deste ano, outros três
fuzis calibre 5.56 com mira a laser são negociados pela quadrilha a R$
40 mil cada.
Das 13 pessoas de Juiz de Fora que estão detidas, 11 continuam na
Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem. Já o juiz da Vara de
Execuções está sendo mantido na sala do Estado Maior do 39º Batalhão da
Polícia Militar, também em Contagem. Ele poderá ser transferido a
qualquer momento para o 2º Batalhão de Juiz de Fora, onde também está
preso um sargento da PM. A advogada presa na operação está detida em
Curitiba (PR).
Fonte: Tribuna de Minas