quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Juiz manda transferir 200 presos do CERESP/JF

Cadeia chega a recorde de mil internos; condenados terão que ir para penitenciárias em até 30 dias, já ontem teve início transferência de outros 40

Por DANIELA ARBEX, MARCOS ARAÚJO E SANDRA ZANELLA
Familiares de presos ficaram em frente ao Ceresp
Familiares de presos ficaram em frente ao Ceresp
Duzentos condenados terão que ser transferidos do Ceresp para penitenciárias do estado nos próximos 30 dias, já que estão sendo mantidos de forma inadequada na unidade destinada à permanência de presos provisórios. Outros 40 começaram a ser levados ontem para instituições prisionais da Região Metropolitana de Belo Horizonte. As decisões foram anunciadas após sete horas de motim que terminou com 23 detentos feridos. Para conter a revolta, iniciada às 20h de segunda-feira e debelada durante a madrugada de ontem, foram usados cães farejadores e armas não letais. A confusão resultou em queima de colchões e destruição de três celas, além de uma tentativa de invasão de galeria, levando pânico a parentes dos presos que se aglomeravam na porta da instituição, no Bairro Linhares, Zona Leste, em busca de notícias. O episódio trouxe à tona a lotação histórica da cadeia e a precariedade das condições de trabalho dos agentes de segurança penitenciária. Até ontem, mil presos dividiam espaço em lugar projetado para 332, resultando na manutenção de 25 detentos por cela onde cabem seis.
A ordem para a retirada de 200 condenados foi tomada pelo juiz da Vara de Execuções Criminais de Juiz de Fora, Daniel Réche Motta. Ele chegou ao Ceresp na segunda-feira, pouco depois da meia-noite, deixando a unidade por volta das 6h, quando a situação já estava controlada. Segundo o magistrado, a confusão teria ocorrido após o cumprimento de um alvará de soltura e procedimento de revista de cela, com a localização de um celular. Cerca de 70 presos que tinham sido levados para o local onde é realizado o artesanato se recusaram a voltar para suas celas, ateando fogo nos colchões que foram lançados em chamas no pátio e nas galerias. Segundo um agente de segurança penitenciário, os amotinados tentaram invadir a galeria e soltar outros detentos, quando foram contidos com balas de borracha e cachorros treinados. O Corpo de Bombeiros foi acionado para debelar o incêndio. De acordo com o assessor de comunicação da corporação, capitão Marcos Santiago, 12 militares, em quatro viaturas, foram empenhados para a ocorrência no Ceresp. Segundo ele, os bombeiros ficaram no local de 21h15 de segunda-feira até às 4h32 de ontem. Conforme o oficial, havia muita fumaça no prédio. Os Bombeiros atuaram no combate ao fogo, no resgate de feridos e também na prevenção, ficando à disposição dos agentes. Já a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) informou que o movimento foi controlado às 3h.
A Polícia Militar foi chamada para fazer o policiamento na parte externa do presídio. Os militares chegaram a usar balas de borracha e bombas de efeito moral para conter o avanço de familiares que se aglomeraram na portaria em busca de informações. A PM não precisou entrar na cadeia. Os 23 internos feridos sofreram escoriações leves e foram atendidos no setor de saúde do Ceresp. "Eles foram atingidos por munições não letais e/ou se machucaram durante o tumulto. Todos passaram por exame de corpo de delito dentro do Centro de Remanejamento", informou a Seds. Conforme informações do órgão, dois detentos permaneceram internados no HPS, e o estado de saúde deles era considerado estável. Um preso, 21 anos, apresentava ferimento na perna, e outro, 43, estava com escoriações nas pernas e na nuca. Ambos ficaram sob os cuidados da cirurgia geral, lúcidos e orientados. A assessoria também informou que outros quatro acautelados no Ceresp, de 20, 21, 31 e 45 anos, foram atendidos e liberados da unidade.

Familiares foram contidos com balas de borracha

De acordo com o juiz Daniel Réche, não houve excesso por parte dos agentes. "A atuação da Suapi (Subsecretaria de Administração Prisional) foi perfeita. Agiram com firmeza, mas sem passar dos limites da legalidade", elogiou. A Seds informou que o Comando de Operações Especiais (Cope), do sistema prisional, acompanhará os desdobramentos do episódio e dará apoio às transferências dos 40 detentos. Em nota, a Suapi admitiu a existência de um passivo de presos condenados, que aguardam transferências para penitenciárias. A direção do presídio instaurou procedimento interno para apurar as circunstâncias do motim e avaliar os danos ao patrimônio. Em função do episódio, as visitas estão suspensas por 15 dias e a entrega de sacolas com alimentos por 30 dias.
Durante o tumulto, várias viaturas da PM foram mobilizadas para conter os ânimos que também ficaram exaltados do lado de fora, onde estavam os familiares de detentos. Segundo a PM, 20 policiais foram enviados para as imediações. Parte deles foi posicionada para garantir a entrada dos bombeiros ao estabelecimento prisional. Eles também impediram a invasão do prédio pelos parentes, tensos com a falta de notícia sobre os presos e o barulho de disparos.
O grupo teria dificultado a passagem de veículos na entrada da unidade. A PM solicitou reforço, alegando ter sido recebida a pedradas. Houve disparos de munição de borracha e bombas de efeito moral. "As equipes foram recebidas a pedradas e, para abrir espaço, precisamos fazer uso de munição não letal momentaneamente", disse um dos policiais à frente da ocorrência, tenente Breno Thamer, comandante do 1º Pelotão da Rotam. De acordo com ele, a situação foi resolvida depois que o diretor do Ceresp, Giovane de Moraes Gomes, saiu à portaria e conversou com uma comissão formada por cinco familiares. "O Gate também esteve presente, mas não houve necessidade de intervenção", disse o tenente. Alguns parentes revelaram ter sido alvo de tiros de borracha efetuados pela PM. "Ambulância e Corpo de Bombeiros estavam entrando, e a gente queria informações. Mas os policiais empurraram a gente e deram tiro quando eu estava indo no carro socorrer minha filha de 3 anos", contou a operadora de caixa Fabiana Carvalho, 26 anos, mostrando o ferimento no abdômen que ela afirma ter sido causado por um tiro de borracha. Um policial militar foi ferido durante a manobra, mas sofreu "lesões de natureza leve, não necessitando de acompanhamento médico". Dois agentes penitenciários e um bombeiro também tiveram escoriações sem gravidade e foram socorridos.

Barulho de explosivos
Com o dia clareando, ainda era foi possível ouvir barulho de explosivos vindos do interior do cadeião. No final da manhã, uma lista foi afixada na guarita do Ceresp com os nomes dos 40 detentos que começaram a ser transferidos e dos dois que permanecem internados. A divulgação trouxe tranquilidade aos parentes, mas causou revolta naqueles que foram diretamente afetados. "Não tenho condições de ir visitar meu marido em Contagem e tenho filha pequena", disse a operadora de caixa.
A maior parte dos policiais deixou o local por volta das 5h, quando a situação foi controlada. No entanto, na manhã de ontem, alguns militares ainda fizeram a segurança na área externa do Ceresp, já que muitos familiares continuavam no local.

Carta de detentos relata maus-tratos

A Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) instaurou procedimento interno para investigar a motivação do motim. Para entidades que atuam junto ao Ceresp, no entanto, o episódio está ligado à precariedade do local onde os presos são mantidos. A defensora pública Luciana Gagliardi disse que a situação atual é de caos diante da inércia do Estado. "Considero o fato de ontem como um tragédia anunciada", afirmou a defensora. Ela ressalta que o acautelamento tem que ser feito em situação digna. "Atualmente, na unidade que é destinada a presos provisórios, há detentos inimputáveis, condenados e com medida de segurança à espera de vagas em outras unidades, inclusive para tratamento em hospital." E acrescentou: "Numa cadeia onde mil detentos estão em lugar projetado para 300, torna-se impossível fazer a gestão desse lugar. Hoje o atendimento é realizado no limite, sem falar na falta de trato dos agentes penitenciários com os prisioneiros. Encontrar um celular na cadeia é pior que encontrar drogas, e as buscas de celulares são constantes. Entretanto, o Estado não se equipa para reprimir a entrada desses aparelhos." Luciana informou, ainda, que a Defensoria Pública realiza inspeções frequentes no Ceresp, e todas as irregularidades são comunicadas à Seds.
Márcio Ferreira da Costa, da Associação Ecumênica de Apoio Jurídico aos Encarcerados (Aeaje), afirmou que, há cerca de seis meses, a entidade protocolou, junto à Vara de Execuções Criminais de Juiz de Fora, carta escrita por presos relatando maus-tratos.

Agentes
O presidente do Sindicato dos Agentes de Segurança Penitenciários do Estado de Minas Gerais, Adeilton de Souza Rocha, afirmou que se o preso é refém da superlotação, os agentes também são. "A questão dos maus-tratos é fala recorrente dos presos que não têm justificativa para fazer o que fizeram. Mas nós também sofremos maus-tratos ao trabalharmos em unidades que estão com a lotação muito acima da sua capacidade. As condições não permitem que o agente de segurança penitenciário cumpra fielmente aquilo que a lei de execução penal determina. Vivemos o mesmo ambiente de desumanidade que os presos e também somos afetados pelo aumento da criminalidade", comenta Adeilton. O sindicalista afirma que, assim como em Juiz de Fora, todos os outros quatro centros de remanejamento de Minas estão lotados e com problemas de déficit no número de agentes.

* colaborou Michele Meireles

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