quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Cinco vítimas a cada semana em Juiz de Fora

Desde o início do ano, 165 pessoas sofreram tentativas de homicídio, a maioria tinha até 25 anos

Por Marcos Araújo e Renata Brum

Pelo menos cinco pessoas são vítimas de tentativas de homicídio, a cada semana, na cidade. De 1º de janeiro a 10 de julho, ou seja, em 30 semanas,165 pessoas foram atingidas. A estatística é alarmante pois mostra que, se as tentativas tivessem se consumado, o número de mortes violentas na cidade, só neste ano - que já chegou a 85 -, ultrapassaria, em muito, a marca de um óbito por dia. Os dados levantados pela Tribuna, em parceria com a Ronda Policial, da Rádio Solar AM, levam em conta as ocorrências de tentativas de homicídio repassadas pela Polícia Militar e dão origem à série "Por um triz", iniciada nesta quinta-feira (1) pela Tribuna. Do total de vítimas, a maioria foi alvo de disparos de arma de fogo (84%) em crimes que aconteceram, sobretudo, nos fins de semana. Foram 69 feridos entre sábado (25) e domingo (44). Entre 13 (quinta) e 16 de junho (domingo), o número chegou a 15. Situação que compromete também a saúde da cidade, gerando altos custos e sobrecarregando o Hospital de Pronto Socorro (HPS). O alto índice de vítimas feridas gravemente ainda faz com que a taxa de mortalidade institucional na unidade esteja acima do ideal. Hoje a taxa, que mede o percentual de óbitos após as primeiras 24 horas de internação dos pacientes, é 10,12%, enquanto o ideal seria de até 7,79%.
Igualmente aos homicídios consumados, a maioria das vítimas dos casos tentados é de jovens. Dos 165 feridos, 93 tinham até 25 anos. A Zona Norte é a região mais violenta, com 71 vítimas, o dobro das outras duas regiões mais afetadas pela criminalidade - Leste e Sudeste -, ambas com 31 casos cada. Dos bairros, o Jóquei Clube lidera o ranking de estatísticas, com 17 feridos. Algumas dessas pessoas foram alvos por mais de uma vez. No dia 1º de junho, um homem, 29, foi atingido duas vezes em um intervalo de oito horas, no mesmo local. As ocorrências estariam relacionadas à rixa entre grupos rivais do Jóquei e do Jardim Natal.
"Estava perto do bar com um amigo, por volta de 13h, e chegaram em uma moto atirando. Fui atingido de raspão. Fui para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Norte e liberado. À noite estava na rua de novo, conversando com outro amigo, e as motos voltaram. Fui atingido na barriga. Não senti dor, mas achei que fosse morrer. Por sorte não atingiu nenhum órgão. Fiquei cinco dias internado, mas as duas balas estão aqui alojadas perto da costela (mostrando as elevações no corpo)", contou o jovem, pai de dois filhos. Questionado sobre se sentia medo da situação, ele foi breve. "Medo não, pois não foi direcionado para mim. Deram em quem estava na frente, mas não dou bobeira mais. E vento que venta lá, venta cá."

Gangues e tráfico
O balanço confirma também o que destacam as autoridades. As tentativas de homicídio estão diretamente ligadas a duas situações principais: brigas de gangues e tráfico de drogas. Em terceiro lugar aparece a motivação passional. Em boa parte dos casos, sobretudo os que envolvem as rixas, o modus operandi é parecido, com utilização de carros e motocicletas para disparar contra pessoas na rua, sem preocupação com quem será atingido.
Os dados escancaram a atual realidade da cidade: a violência chegou ao extremo. Com isso, o clima pacato vai se esvaindo. Especialista em violência Leandro Piquet Carneiro, do Núcleo de Pesquisas de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo, que participou do último seminário sobre violência realizado na cidade, em março passado, fez um alerta. "Juiz de Fora era uma das poucas cidades brasileiras ainda com taxas quase 'europeias' de violência até a última década, mas já não é possível para os administradores e para a sociedade local manter uma distância tranquila do problema da segurança."
Diante desse cenário, a expectativa está no Plano Municipal de Enfrentamento da Violência, que vem sendo discutido entre Legislativo, Executivo e OAB. O objetivo das reuniões que têm acontecido é unificar o mapeamento da violência na cidade e estabelecer as ações para diminuir a criminalidade.


'Nós aqui temos que enfrentar essa praga'

Responsável pelo julgamento dos crimes contra a vida registrados na cidade, o juiz presidente do Tribunal do Júri, José Armando Pinheiro da Silveira, opina que o crescimento das tentativas de homicídio e homicídios consumados está relacionado - além do avanço do tráfico de drogas - a um fator considerado por ele como peculiar: a rixa entre as gangues de jovens. Na visão do magistrado, a rivalidade entre esses grupos precisa ser enfrentada. "É um momento infeliz da sociedade juiz-forana. Em São Paulo e no Rio Janeiro, as autoridades lidam com os crimes passionais e aqueles ligados ao tráfico de drogas. Nós aqui temos que enfrentar essa praga", pontua José Armando, completando que, de cada dez homicídios que chegam para julgamento no Tribunal do Júri, 20% são de cunho passional, 40% estão relacionados ao tráfico de drogas e os outros 40% têm ligação com as gangues. "É disputa pela hegemonia da região, na qual os jovens se matam simplesmente porque têm origens em bairros diferentes. Já tem bairros onde existe mais de uma gangue. Esse fenômeno não é só perceptível nos locais mais periféricos. É um modismo criminoso que surgiu em Juiz de Fora."
José Armando também defende que, como houve aumento populacional, os crimes cresceram em consequência. "Soma-se a esse cenário o avanço do crack, que invadiu de maneira violenta a sociedade, e, consequentemente, o surgimento das cracolândias, que são antros de crimes, onde o traficante manda matar o usuário que deve droga, o usuário mata o traficante porque não consegue mais comprar, o traficante mata o outro traficante na disputa por espaço de venda."
O promotor do Tribunal do Júri, Oscar Santos de Abreu, chama a atenção para a necessidade de ações para minimizar os confrontos. "O Poder Público precisa criar mecanismos para dar vazão a essa rivalidade, mas de uma forma positiva, por meio de um jogo de futebol, de uma luta organizada, um campeonato de capoeira. Cerca de 98% dos crimes violentos da cidade são motivados por jovens, que estão envolvidos nas gangues."


Pouco efetivo e lentidão do Judiciário

Para conter a violência, que tomou proporções desenfreadas, as polícias Militar e Civil anunciaram, no último mês de abril, medidas contra o avanço de crimes. A Civil criou a Delegacia Especializada em Combate a Homicídios e Antidrogas, e a Militar, o Grupo de Intervenção e Combate a Homicídios.
De acordo com o delegado regional de Polícia Civil, Paulo Sérgio Xavier Virtuoso, 70% dos autores de homicídios tentados e consumados foram identificados. Porém, diante do crescimento populacional e da criminalidade violenta, o delegado admite que seria necessário aumentar o efetivo de policiais para um melhor andamento das investigações .
Outro fator que, segundo ele, dificulta a atividade da polícia é o fato de que a grande maioria dos envolvidos em homicídios tentados e consumados é de adolescentes com menos de 18 anos, cuja a competência para a aplicação de medidas sócio educativas é da Vara da Infância e Juventude.
O presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara Municipal, vereador Wanderson Castelar, que participa das reuniões para elaboração do Plano Municipal de Enfrentamento da Violência, pontua que um dos itens do projeto é solicitar às corporações o número de efetivo e questionar se o montante atual é bastante para prestar um serviço satisfatório de acordo com o total de habitantes da cidade. Presidente da Subseção Juiz de Fora da OAB-MG, Denilson Clozato, também enfatiza a necessidade de se cobrar do Estado de Minas Gerais a ampliação do efetivo policial.
Além das falhas estruturais nas corporações, a demora do processo judiciário também pode contribuir para o recrudescimento das tentativas de assassinato. Segundo o promotor criminal, Oscar Santos de Abreu, "o rito do Tribunal do Júri é demorado, com três fases, havendo necessidade de ouvir as testemunhas três vezes para realização do julgamento. Leva-se muito tempo, o que gera o sentimento de não existir punição."
O juiz José Armando da Silveira, porém, avalia que as polícias estão trabalhando para enfrentar os crimes, e a Justiça está contribuindo, julgando o mais rápido possível, para exemplificar. "A pena tem dois aspectos: punir e exemplificar. Quanto mais rápido há o julgamento, mais há aumento na sensação de punibilidade, refletindo na diminuição dos crimes."
A assessoria da Polícia Militar informou que o comando vai analisar os dados divulgados na primeira reportagem da série e irá se pronunciar nesta quinta.

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