sábado, 14 de setembro de 2013

Cem vítimas de mortes violentas

Número de mortos já ultrapassa os 99 casos registrados ao longo de 2012; últimas vítimas foram um homem morto a pedradas em área de cemitério e outro a facada no Santo Antônio

Por Marcos Araújo e Sandra Zanella*

O homicídio de um homem, 35 anos, morto a pedradas e encontrado, na manhã desta sexta-feira (13), no Bairro Centenário, Zona Nordeste, e o assassinato à facada de um jovem, 20, na noite de quinta-feira, no Santo Antônio, Zona Sudeste, elevaram para cem o número de mortes violentas registradas em Juiz de Fora apenas nos nove primeiros meses de 2013. Faltando mais de cem dias para o fim do ano, o número já ultrapassa os 99 casos registrados em 2012, que já haviam sido muito superiores aos 52 homicídios de 2011. A estatística segue levantamento da Tribuna, que leva em conta os óbitos ocorridos também nos hospitais em decorrência de crimes violentos, como homicídio e latrocínio, e não apenas as vítimas mortas nos locais dos fatos. Já conforme a Polícia Militar, a cidade teve, até sexta, 72 assassinatos.
A escalada explícita da violência, com a perda de mais de cem vidas de forma brutal em um curto período, configura uma realidade nunca vivida pelos habitantes de Juiz de Fora. Para especialistas, essa onda de criminalidade que resulta no recrudescimento de vítimas fatais atingiu um patamar inimaginável há cinco anos. Em 2009, foram 39 casos registrados. Nos dois anos seguintes (2010 e 2011), houve empate, com 52 ocorrências. Seguindo a mesma tendência do ano passado, a Zona Norte lidera o avanço de mortes violentas, com 34 registros. Em segundo lugar, está a região Sudeste, com 31, na mesma colocação de 2012.
Como apontam estudiosos em criminalidade urbana, o cenário de Juiz de Fora pode ser comparado ao que aconteceu em muitas capitais, nas quais os homicídios cresceram de forma proporcional ao aumento da disponibilidade de armas de fogo. Só elas foram responsáveis pela morte de 78 pessoas. A maioria das vítimas continua sendo do sexo masculino: 92 (ver quadro). A faixa etária mas atingida é a de 18 a 25 anos, com 27 registros. Entre as vítimas mais jovens estão dois adolescentes de 14 anos. O primeiro é Leandro de Oliveira Amâncio, morto em 17 de abril, cujo corpo foi encontrado amarrado em uma árvore, no Parque das Águas. O segundo é Lucas Márcio Gonzaga de Castro, alvejado por uma bala perdida durante troca de tiros de grupos rivais, no último dia 8, no Santo Antônio. A vítima mais idosa é Adolfo Pires Brasil, 87, morto em abril a golpes de bengala.


Pedradas no cemitério
A centésima vítima de morte violenta este ano foi João Celestino da Silva Filho, 35, assassinado a pedradas em um terreno pertencente ao cemitério Parque da Saudade, com acesso pelo Centenário. Ele estava com afundamento na face e ferimentos na nuca. Ao lado do corpo, havia uma pedra grande supostamente usada no crime. De acordo com o policial que responde pelo comando da 31ª Companhia da PM, capitão Marcelo Monteiro de Castro, a suspeita é de que o crime aconteceu entre 22h e 23h de quinta-feira, quando vizinhos escutaram cachorros latindo.
Pela manhã, moradores das imediações avistaram o corpo e acionaram funcionários do cemitério. A vítima não portava documentos. No fim da manhã, um irmão de João, 34, fez a identificação do homem, morador do Centenário. Conforme o capitão Marcelo, a violência aconteceu em uma área de expansão do cemitério, que costuma ser invadida por usuários de drogas. Parentes da vítima relataram terem sido informados sobre uma briga envolvendo a vítima por volta das 22h de quinta-feira. Um suspeito, 22, foi identificado, mas não foi encontrado durante rastreamento.
A assessoria do Parque da Saudade informou que o espaço possui segurança armada 24 horas. As rondas acontecem diariamente nos locais de circulação de pessoas, como capelas, e nos jardins, onde há jazigos. A assessoria ressaltou, ainda, que a ocorrência foi registrada em uma área não frequentada por clientes, de futura expansão do cemitério, próximo à Garganta do Dilermando.

Facada em ponto de ônibus
O jovem esfaqueado em um ponto de ônibus no Santo Antônio, por volta das 22h de quinta, chegou a ser socorrido e levado para o HPS, mas não resistiu e faleceu às 23h30, segundo a assessoria da Secretaria de Saúde. Uma avó da vítima, 62, relatou à PM que Weiderson Soares Marcelino estava no ponto final do bairro, na Rua Antônio Gonçalves da Cruz, e que se assustou quando o neto apareceu em via pública com um ferimento no abdômen, caindo no chão. Além da perfuração, o rapaz apresentava ferimentos na face em decorrência da queda. Policiais não obtiveram informações sobre suspeitos, e ninguém foi preso.

Família
Um dos casos que chocou a sociedade juiz-forana este ano foi a morte de Welerson de Oliveira Clemente, 41 anos. Ele foi a vítima de número 62 na lista das cem mortes. O homem estava em um velório na capela da Matriz de São Benedito, no bairro de mesmo nome, quando três homens chegaram e abriram fogo, atingindo quatro pessoas. Houve pânico, e os presentes tentaram fugir diante da cena brutal. Welerson foi baleado no abdômen e morreu. No local, estava sendo velado Cosme Damião Moreira Pereira, 39, assassinado, na madrugada anterior, na Vila Alpina. Para a irmã de Welerson, a auxiliar de serviços gerais Silvânia Maria Clemente, 49, a situação na cidade é de calamidade. "Meu irmão foi morto por uma bala perdida. Não dá para ter segurança nem em um velório. Em todo lugar tem violência. Não dá para saber aonde isso vai parar."



90% dos casos relacionados a tráfico e gangues

Disputas e dívidas ligadas ao tráfico de drogas e brigas de gangues motivaram 90% das cem mortes violentas registradas até sexta na cidade, de acordo com o titular da Delegacia de Homicídios, Rogério Woyame. Segundo ele, as demais ocorrências estão relacionadas a motivos passionais ou outras desavenças. O delegado apontou queda no número de assassinatos desde a criação da especializada, em meados de maio. "Fizemos muitas operações e apreendemos integrantes de gangues, evitando que novos crimes aconteçam. A ideia do nosso trabalho também é melhorar a qualidade dos inquéritos para garantir que, depois das prisões, as pessoas possam ser condenadas pela Justiça", disse ele, afirmando que praticamente todos os homicídios ocorridos nos últimos quatro meses já têm autoria definida.
Para o delegado regional, Paulo Sérgio Xavier Virtuoso, a prevenção a estes crimes passa por projetos sociais e pela educação, não estando atrelada apenas às forças de segurança. "O que cabe à Polícia Civil é a apuração da infração penal. Mas nossa questão preventiva é indireta, com a prisão de autores, para que não voltem a delinquir." Segundo a assessoria da Polícia Civil, pelo menos 25 casos deste ano tiveram apreensões e prisões antes do encaminhamento do inquérito à Justiça.
Na conta oficial da Polícia Militar, Juiz de Fora registrou, de janeiro até sexta, 72 homicídios, já que a corporação não contabiliza vítimas que morreram após a conclusão da ocorrência. Mesmo assim, o assessor de comunicação da 4ª Região da PM, major Jeferson Ulisses Pires, considera o número alto. Segundo ele, o acréscimo aconteceu devido à concentração de casos no primeiro trimestre envolvendo disputa por pontos de tráfico de drogas e rixa de gangues. "No segundo trimestre, percebemos uma queda, mas agora voltamos a constatar tendência de aumento", ponderou.
O militar enfatiza que o grande problema do combate ao homicídio está na impossibilidade de prevenção. "A vítima que está jurada de morte não procura a PM, pois a maioria está envolvida com atividades ilícitas. Isso é um dificultador do ponto de vista preventivo." Entretanto, o major informou que, este ano, já foram apreendidas 231 armas de fogo. Este montante supera em 31 o total recolhido no mesmo período do ano passado. "Também já realizamos, em 2013, 4.355 prisões, o que demonstra que temos feito nossa parte, inclusive com operações conjuntas com a Polícia Civil." Para o último trimestre do ano, ele adiantou que serão intensificadas as ações dos grupos de Patrulha de Prevenção a Homicídios e do Grupo de Intervenção de Combate a Homicídios, como forma de frear os casos.
"Em números absolutos, houve aumento de homicídios. No entanto, ainda estamos bem atrás de outras cidades do mesmo porte no estado. Mesmo assim, devemos nos preocupar, e o objetivo é continuar trabalhando com a PM para que possamos retornar aos índices anteriores", concluiu o delegado regional.


Disponibilidade crescente de armas nas ruas

Para o coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Políticas de Controle Social da UFJF, o cientista social André Moysés Gaio, Juiz de Fora vem em uma crescente nos casos de uso de arma de fogo em ações criminosas, o que, consequentemente, resulta no aumento do número de mortes violentas. Ele questiona as forças de segurança pública que, há muito, já deveriam ter dado conta da origem desse armamento. Gaio também ressalta a necessidade de maior mobilização das autoridades a fim de explicar o desvio das armas do Exército. O material, que havia sido recolhido na "Campanha de Desarmamento", estaria voltando para as ruas. O fato veio a público em março desse ano. "Até agora, não foi divulgado que tipo de armas eram essas, quantas foram desovadas e onde elas foram parar. Isso precisa ser explicado, pois não sabemos se essas armas estão pulverizadas no município. Elas estão sob o poder de quem? E, claro, com elas circulando, muda a qualidade do crime em Juiz de Fora. Atualmente, vivemos uma onda de crimes de roubo com uso de violência. Caminhamos para um patamar que, há cinco anos, era impossível pensar que chegaríamos", avalia o pesquisador.
Desde novembro passado, o 4º Depósito de Suprimentos (4ºDSup), onde ocorreu o desvio de armas oriundas da campanha, investiga a subtração dos materiais. O processo corre em segredo de Justiça no Ministério Público Militar. O comandante do 4º DSup, coronel Sylvio Pessoa da Silva, informou na sexta que a apuração continua. Sem poder detalhar o que foi descoberto, ele afirmou que o número de armas desviadas é muito pequeno. "Claro que é um montante que faz diferença, mas, na análise do crescimento dos registros de homicídios, deve-se levar em conta todos os fatores sociais que envolvem esse tipo de crime e que colaboram para que ele aconteça. Podemos garantir que, até o momento, em todas as armas já relacionadas nesse desvio, nenhuma está relacionada com homicídio."




Ações para conter violência

O cientista social André Moysés Gaio defende que a responsabilidade no combate aos homicídios se estende o Poder Municipal. "Hoje os municípios precisam ter suas secretarias de segurança pública. É inadmissível que a Prefeitura não produza conhecimento para lidar com a violência e combatê-la. O Estado não aumenta o contingente de policiais, suas estruturas estão precárias." De acordo com o pesquisador do Instituto de Relações Internacionais e Núcleo de Pesquisas de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP), Leandro Piquet Carneiro, Juiz de Fora tinha um nível de violência considerado baixo, quando comparada com outras cidades no mesmo porte. Entretanto, ele avalia que há uma convergência, na qual as taxas de homicídio entre as capitais e as cidades médias estão se aproximando. "A possível causa dessa tendência é aparecimento da cocaína em forma de crack, que tem uma dinâmica própria, resultando na disputa entre grupos, por território, por redes de distribuição, e culminando em ações violentas. Isso, consequentemente, contribui para o aumento dos homicídios. O município era uma das poucas cidades brasileiras com taxas quase 'europeias' de violência até a última década, mas já não é possível, para os administradores e para a sociedade local, manter uma distância tranquila do problema da segurança", afirma Piquet.
O secretário de Governo da PJF, José Sóter de Figueirôa, enfatizou que a Administração Municipal trabalha para inibir e conter os índices de violência, embora a segurança pública seja de responsabilidade do Governo do estado. "Adotamos uma ação complementar à do Governo estadual, trabalhando em conjunto com as polícias Militar e Civil e até a Polícia Federal." Ao longo do ano, a PJF vem implementando ações que objetivam a inibição das taxas de violência. Segundo ele, o programa "Crack, é possível vencer" vai disponibilizar, pelos próximos 18 meses, cerca de R$ 16 milhões em ações voltadas para a área da saúde. Ainda serão mais 40 câmeras de segurança nos bairros Jardim Natal e Vila Olavo Costa e nos seus entornos. Figueirôa também citou o plano de ações integradas que, junto com a PM, prevê um pacote de sete medidas. Entre elas, o programa "Olho vivo", que vai instalar 54 câmeras em áreas estratégicas. Conforme o secretário, os equipamentos estão em fase final de licitação, e a previsão de início de funcionamento é para o próximo mês. "A Prefeitura também prepara um plano piloto para a Vila Olavo Costa, na Zona Sudeste, cujo objetivo é levar melhorias de segurança, infraestrutura, saúde, cultura e lazer para o bairro. Além disso, também já está em elaboração o primeiro plano municipal de enfrentamento da violência. Ele vai servir para traçarmos um enfrentamento do problema de forma concentrada e enérgica.
Segundo a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), o crescimento das estatísticas de criminalidade violenta em Juiz de Fora estão sob análise. Por meio de nota, o órgão afirma que "o próprio secretário Rômulo Ferraz tem acompanhado semanalmente os resultados da cidade e de outros 13 municípios considerados prioritários - o que tem resultado em reuniões periódicas, cobranças de ações e operações dos comandos e chefias de departamentos das regiões." A pasta também reforçou o investimento no "Olho vivo" e a previsão de mais policiais e viaturas para a cidade.


* colaborou Michele Meireles

Fontehttp://www.tribunademinas.com.br/cidade/cem-vitimas-de-mortes-violentas-1.1345682

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