sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Vândalos ateiam fogo em ônibus na Zona Norte de Juiz de Fora






Pela primeira vez, crime, frequente em grandes centros, assusta em Juiz de Fora

Por Sandra Zanella e Marcos Araújo

As polícias Civil e Militar estão trabalhando para identificar e capturar os seis criminosos que atearam fogo em um ônibus urbano, no início da madrugada dessa quinta-feira (12), levando pânico a cinco passageiros e dois funcionários da Viação São Francisco, no Bairro Santa Cruz, Zona Norte. A modalidade criminosa, até então inédita em Juiz de Fora, surpreendeu pela ousadia e falta de motivação explícita, já que não houve roubo e ninguém ficou ferido. Com o reconhecimento de dois suspeitos por meio de gravações, autoridades policiais acreditam que integrantes do "Bonde do Scooby", desmantelado no ano passado, praticaram o ato de terror, frequente em grandes centros urbanos, como Rio de Janeiro e São Paulo. Especialistas enfatizam que a ação violenta serviu para mandar recado e para reafirmação de poder. O crime aconteceu pouco depois na meia-noite, na Rua Maria Cândida de Jesus. Ao se aproximar de uma esquina perto do Caic Santa Cruz, o condutor, 48 anos, foi surpreendido pelo bando armado, encapuzado e munido com os chamados coquetéis molotov, uma mistura líquida inflamável, colocada em uma garrafa de vidro, com pano embebido no mesmo combustível no bico, formando uma espécie de pavio.
O crime foi gravado pelo circuito interno de vigilância do coletivo da linha 733 - Santa Cruz, e as imagens impressionam pela determinação e agilidade do grupo, que já estava de tocaia aguardando a passagem do veículo. O bando surge da esquina com armas em punho apontadas na direção do motorista que, diante da ameaça, se viu obrigado a parar o veículo e abrir as portas. Sob a mira de revólveres, todos os ocupantes receberam ordens para desembarcar. Em seguida, os criminosos acenderam os pavios de três coquetéis molotovs, que foram lançados pela porta dianteira, em direção à roleta, e pela entrada central, caindo sobre um banco incendiado. Uma quarta garrafa de cerveja contendo o líquido inflamável foi derramada para propagar ainda mais o fogo.
Mesmo com o piso metálico e um assento em chamas, o motorista e o cobrador retornaram ao interior do ônibus para resgatarem seus pertences pessoais e o dinheiro do caixa. Na sequência, um morador das imediações surgiu com uma mangueira, colocando fim ao incêndio. O Corpo de Bombeiros chegou a ser acionado, mas, quando chegou ao local, as labaredas já haviam sido debeladas.
Na manhã dessa quinta, a Tribuna teve acesso ao interior do ônibus incendiado e presenciou o cenário: garrafas de cerveja quebradas, banco e lateral na direção da porta central queimados, assim como parte do piso próximo à roleta. "A nossa preocupação é que os funcionários estão muito assustados, porque não estamos acostumados com isso (ônibus incendiado). Juiz de Fora nunca ouviu falar nisso. Só Rio, São Paulo e outras grandes cidades", desabafou um representante da empresa, que preferiu não se identificar.
Tanto a Viação São Francisco quanto a Polícia Militar afirmaram que o ato de violência não tem qualquer relação com o acidente fatal envolvendo um carro da mesma empresa cerca de quatro horas antes do crime. Por volta das 20h de quarta-feira, um pedestre, 40, foi atropelado na Avenida Rio Branco, na altura da Rua Benjamin Constant, Centro. Segundo o registro policial, Gilmar Barbosa Moreira foi atingido pela lateral direita de um coletivo da linha 732 que, por coincidência, também atende ao Bairro Santa Cruz. Ele chegou a ser socorrido, mas não resistiu ao politraumatismo sofrido com o impacto e morreu logo após dar entrada no Hospital de Pronto Socorro (HPS). "Já estavam aguardando qualquer ônibus que passasse. O fogo só não se propagou mais porque os materiais do ônibus são de alumínio e fibra. Foi um ato de vandalismo, e não retaliação à empresa, tanto que tiraram os funcionários e passageiros antes", disse o representante.

De olho no 'Bonde do Scooby'

Dois suspeitos de atearem fogo no ônibus do Bairro Santa Cruz, Zona Norte, já foram identificados pelas polícias Civil e Militar, com ajuda do circuito de câmeras do coletivo incendiado. De acordo com o delegado à frente das investigações, Rodolfo Rolli, eles são integrantes do grupo autodenominado "Bonde do Scooby", originário do Bairro São Damião, vizinho ao Santa Cruz, e conhecido pela prática de crimes violentos, como homicídios, tentativas de assassinato, roubos à mão armada, além de tráfico de drogas. "Um dos criminosos que aparece nas imagens tem um parente que está preso no Ceresp e outro acautelado no Centro Socioeducativo", disse o titular da 3ª Delegacia. "São todos da gangue. Apesar de termos desarticulado essa quadrilha, alguns já estão soltos e voltaram à atividade criminosa. Estão se articulando de novo, mas vamos acabar com isso", garantiu.
Em junho, dois homens, de 21 e 24 anos, que integravam o bando da Zona Norte foram a júri popular, sendo considerados culpados por crimes de homicídio qualificado, formação de quadrilha e corrupção de menores. O réu mais jovem recebeu pena de 19 anos de reclusão, enquanto o mais velho foi condenado a 20. No ano passado, outros cinco integrantes do bonde já haviam sido julgados, mas apenas um, 21, acabou condenado. A sentença foi de 12 anos por homicídio qualificado.
O grupo amedrontou a Zona Norte por cerca de cinco anos e, em maio de 2012, a Polícia Civil decretou o fim da quadrilha, com a prisão de mais seis homens e apreensão de dois adolescentes, além dos cinco suspeitos que já haviam sido acautelados no sistema prisional. Por ironia, ou não, a ação policial que desarticulou o "Bonde do Scooby" havia sido batizada de "Ponto final 733", uma referência ao local onde os criminosos se reuniam para praticar delitos.
O incêndio no coletivo da linha 733, segundo a Viação São Francisco, aconteceu antes do ponto final, na última viagem do carro naquela madrugada. Próximo ao local do ato criminoso, muros do Caic apresentam pichações já antigas em tons ameaçadores como: "Liberdade pros Scooby" e "Os Scooby vai volta/a bala vai come". Na manhã de quinta, nenhum morador quis comentar o episódio envolvendo os aterrorizantes coquetéis molotovs, possivelmente temendo represálias.
Ainda de acordo com o delegado, um inquérito policial já foi instaurado para apurar os crimes de vandalismo, formação de quadrilha e dano ao patrimônio público. Ele afirmou que vai solicitar a prisão de todos os envolvidos.

Pontos finais deverão ser alterados, diz PM
O assessor de comunicação do 27º Batalhão da PM, capitão Jean Michel Amaral, informou que já havia se reunido com o Sindicato dos Rodoviários na última segunda-feira para tratar da segurança em decorrência de assaltos a coletivos e apedrejamento de ônibus. Alvo constante de crimes dessas naturezas, a Viação São Francisco é uma das empresas que frequentemente solicita reforço no policiamento, sobretudo em pontos finais, onde muitos delitos ocorrem. "Hoje em dia não tem local crítico, está muito pulverizado", disse um representante da firma. "Normalmente, um grupo lança pedras contra ônibus que atendem um bairro rival ao deles. Mas não vemos motivo para o incêndio", completou.
Segundo o capitão Jean, medidas estão sendo tomadas para reverter o cenário de violência envolvendo ônibus, que expõe trabalhadores e usuários. "60% dos roubos acontecem nos pontos finais. Vamos solicitar que alguns deles sejam modificados e dar orientações de como os funcionários devem se portar nessas paradas."
Em relação ao incêndio, não houve ação policial recente que pudesse ter motivado o crime como retaliação, conforme o assessor. "Não agrediram ninguém, não levaram pertences. A ideia era queimar o ônibus, o que nunca havia sido feito aqui por ação de vândalos. As equipes de serviço identificaram dois suspeitos que fazem parte do 'Bonde do Scooby' e já têm envolvimento com crimes. Os policiais estiveram na casa deles na madrugada e não os encontraram." Já os arremessos de pedras acontecem praticamente toda semana. "Só queimar o ônibus por vandalismo é inédito, mas os responsáveis serão punidos de imediato."


'Terror para mandar recado'

Para o coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Políticas de Controle Social da UFJF, o cientista social André Moysés Gaio, o ato desse grupo beira ao terror, objetivando chamar a atenção das autoridades e assustar a população. "É preciso saber qual o fundamento desse ato, o que eles estão querendo dizer. Pode ser um recado para um grupo rival, para alguma autoridade ou para a própria polícia." O cientista considera que é primordial entender o que vem acontecendo. "Em cidades como Curitiba (PR), São Paulo e Rio, esse tipo de prática acontece em função dos atrasos dos ônibus, do mau atendimento das empresas, mas também já ocorreu como forma de chamar atenção devido à morte de um traficante ou a transferência dele para uma penitenciária federal. Em Juiz de Fora, como se trata de uma ocorrência isolada, é preciso aguardar, para o saber o que motivou esse acontecimento. Pode ser que houvesse alguém de outra gangue dentro ônibus, pode ser que o grupo quisesse mostrar alguma coisa para a sociedade. A princípio, o fato é extremo e pode se voltar contra o próprio grupo, já que aquela área onde atua passará a ser mais visada pelo patrulhamento. Pode-se destacar ainda que essa ação é reflexo do que vivemos hoje: a falta de controle da situação por parte das forças de segurança pública."
Wedencley Alves, professor da Faculdade de Comunicação da UFJF, que desenvolve projetos de pesquisa sobre juventude e violência, é enfático ao dizer que Juiz de Fora, assim como outras cidades brasileiras, passam por um momento de aumento de circulação de capital, o que evidencia ainda mais a desigualdade social. Dentro desse contexto, o município sofre o fenômeno que outras cidade já conhecem, que é a importação de novas práticas de violência. No caso do ônibus incendiado, no ponto de vista do pesquisador, o ocorrido é influenciado pelo que vem ocorrendo no Rio de Janeiro e em São Paulo. "Esse tipo de prática acontece sob forma de protesto, quando a sociedade se sente ferida pela falta do Poder Público, mas também pode ser usada como forma de reafirmação do poder local", avalia Wedencley.
Para ele, existe uma linguagem de violência que acaba sendo utilizada por grupos de jovens, pois serve como forma de expressão. Assim, aponta o professor, é necessário se pensar estratégias de repressão, mas avançar além delas. "É preciso pensar modos de desmotivar a entrada desses grupos de jovens na linguagem da violência. A sociedade, como um todo, tem que refletir como esses jovens podem ter poder, mas sem ser pelo viés da violência. Logo, carecemos de outros tipos de intervenção, seja na educação e em outras políticas públicas, uma vez que só a repressão não basta, pois, em cidades como Rio e São Paulo, não serviu para colocar freio nesse tipo de prática."

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