Lançamento a partir das 11h, no Café com Letras, na Savassi.
Ganhadora de três prêmios Esso fala sobre o livro-reportagem “Holocausto Brasileiro”
Ao longo de mais de meio século, o
hospital psiquiátrico Colônia, na cidade mineira de Barbacena, foi
considerado o maior sanatório do Brasil. Criado pelo governo de Minas
Gerais em 1903, em vez de trazer o tratamento e a cura, o local foi
responsável pela morte de 60 mil pacientes, sem que boa parte da
população sequer fizesse ideia do que se passava por ali.
Nem mesmo depois das imagens publicadas pelo fotógrafo Luiz Alfredo, na revista de maior circulação à época, O Cruzeiro,
em 1961, o poder público tomou providências a respeito do local. As
imagens retratavam a omissão do hospício, que tratava seus pacientes
como animais, fazendo-os passar fome e morrer de frio, sem contar as
incessantes seções de eletrochoque.
Crédito:Fernando Priamo
Daniela conta que ficou horrorizada com a história e, ao mesmo tempo, sem se conformar com o fato de que ninguém conhecia o que havia acontecido no Colônia. Escrever sobre o “holocausto brasileiro” passou a ser seu mais objetivo.
Dois anos se passaram até que a Tribuna de Minas,
jornal onde Daniela é repórter especial, tivesse condições de liberá-la
para a extensa apuração da série de reportagens. Publicada em novembro
de 2011, a ideia de Daniela era não só resgatar a história do Colônia,
mas dar rosto às pessoas retratadas, mostrando suas dores e tudo o que
passaram. Como resultado do trabalho, Daniela recebeu em 2012 o prêmio
Esso pela série.
Acompanhe a seguir entrevista exclusiva de Daniela Arbex sobre o livro.
Como surgiu a ideia de escrever sobre o hospital psiquiátrico Colônia, em Barbacena?
Na verdade, eu não conhecia sua
história. Em 2009 fui fazer uma entrevista com o então vereador de
Barbacena, o psiquiatra José Laerte, e no meio da conversa ele me
mostrou um livro que foi editado em 2008 pelo Governo do Estado de Minas
Gerais. A obra continha imagens do Colônia, feitas em 1961, pelo
fotógrafo Luiz Alfredo, da revista O Cruzeiro.
Fiquei completamente impactada com
aquelas imagens. Quando eu vi a primeira página já imaginei um centro de
concentração ali. Exatamente porque não conhecia nada da história que
me impressionei. Me questionei como a minha geração não sabia nada
daquela história. Foi isso que me motivou a ir atrás dos rostos por trás
daquelas imagens.
Antes de virar livro-reportagem, a história do Colônia foi contada em uma série do jornal Tribuna de Minas. Como foi o processo de produção?
Só consegui fazer a série de
reportagens que deu origem ao livro em 2011, dois anos depois que tomei
conhecimento da história. Meu jornal é pequeno e como sou repórter
especial, naquele momento a publicação não poderia dispor do meu tempo
para o trabalho. Quando as imagens do Luiz Alfredo completaram 50 anos,
em 2011, sugeri ao jornal que fizéssemos a busca pelos sobreviventes e
testemunhas.
Com quantas pessoas falou? Foi mais complicado localizá-las ou conseguir sua confiança?
Falei com cerca de 30 pessoas. Quando
resolvi contar as histórias por trás dos rostos retratados pelo Luiz
Alfredo eu parti para Barbacena com as fotos dele nas mãos. Fui pedindo
ajuda dos funcionários e ex-funcionários do hospício para ver se eles
conseguiriam identificar alguém e saber de alguém que estivesse vivo.
Foi a partir daí que comecei a achar alguns sobreviventes.
Como
foi a postura do governo e da prefeitura diante da série? Afinal, as
reportagens também são uma grande crítica ao descaso deles.
Essa é uma história que não tem nem
como negar. Primeiro porque ela está muito bem documentada. As próprias
imagens do Luiz Alfredo são a prova viva do que aconteceu, se elas não
existissem talvez fosse mais difícil das pessoas acreditarem nos
testemunhos que colhemos, mesmo com uma boa documentação. As imagens dão
muita força ao livro.
E eu tive um facilitador, pois o
governo de Minas Gerais, quando resolveu publicar esse livro com algumas
imagens do Luiz Alfredo, meio que abriu essa porta para a gente
revisitar esse passado. Foi um momento de lucidez do Estado, de assumir a
culpa pela omissão de tantas décadas, porque o Colônia funcionou nessas
condições sub-humanas até de 1903 a 1980. Se ela foi criada em 1903,
olha quanto tempo esse hospital funcionou precariamente. O governo não
tem nem como mudar, então assumiu. Foi esse movimento em 2008. Foi por
causa disse que tive acesso às imagens.
Quanto tempo levou no processo de apuração?
Para o jornal fiquei um mês. Para o
livro fiquei um ano. Viajei muito para outros estados para estar com
todas as testemunhas, olhar no olho dessas pessoas. Tive que voltar
várias vezes porque para fazer essas pessoas confiarem leva tempo. Não é
só chegar e pronto. Levei um tempo para conquistar isso. Refiz algumas
entrevistas, fiquei horas com cada pessoa.
Como foi a repercussão da série?
Barbacena sempre foi considerada a
capital dos loucos. Com isso, as pessoas se referiam à cidade de forma
muito jocosa, mas ninguém sabia exatamente que tinha esse passado por
trás dos muros do hospital. Em 1961, O Cruzeiro fez uma grande denúncia. Em 1979, O Estado de Minas
também fez uma grande denúncia, teve documentário “em nome da razão”,
mas ainda assim a sociedade desconhecia o que se passava dentro do
hospital.
Hoje ele ainda funciona. Claro, não
nas mesmas características de antigamente. Os pavilhões ainda existem,
apesar de alguns já estarem desativados. Hoje ele se transformou em um
hospital regional com várias especialidades médicas, inclusive, a
psiquiatria. Hoje existem cerca de 160 sobreviventes do Colônia e que
vão morrer lá dentro. Existem muitos funcionários que ainda trabalham lá
também. Que passaram uma vida inteira.
Mudou muita coisa para a série de reportagens virar livro?
É outro material. Não aproveitei nem
10% da série porque a linguagem é outra, não teve como adaptar a
matérias para o livro. Tive que percorrer todo o caminho de novo, até
mesmo quem eu já havia entrevistado para o jornal. Fui achando novos
personagens, novos sobreviventes nesse meu recomeço.
Esperava ganhar o prêmio Esso pelo livro?
Na verdade esse é o meu terceiro
prêmio Esso. Já ganhei em 2000 com uma série denúncia sobre a Santa
Casa, e em 2002, com uma série sobre a ditadura. Mas foi maravilhoso,
primeiro pelo reconhecimento e tanto do trabalho, acho que o mais
importante, é que com essa matéria, contribui para que o Brasil pudesse
visitar sua história e este é um dos piores capítulos, o mais dramático.
As grandes reportagens são cada vez mais escassas na grande imprensa. Como fazer com que tenha mais importância?
Realmente, o espaço para as grandes
reportagens está cada vez mais enxuto, os veículos precisam de
reportagens mais rápidas até pelo próprio boom da internet. Só que
matérias como o do Colônia mostram que a grande reportagem continua aí
firme.
O que agrega valor para o jornal são
essas matérias. Ninguém sabe a manchete que leu hoje, se esquece muito
fácil. Mas uma matéria como a do holocausto brasileiro ninguém nunca
mais vai esquecer, assim como muitas outras. Existe espaço, mas a gente
tem que brigar por ele.
No meu caso, foram dois anos, não
porque o jornal não quisesse a matéria, mas não podia parar para que eu
fizesse essa investigação. Mas eu acreditava nessa matéria, então, nunca
deixei de vender a pauta, até que surgiu um momento ótimo. Ótimo mais
para o jornal, porque eu estava amamentando o meu filho de cinco meses
na época, mas senti que precisava fazer. Queria que meu filho sentisse
orgulho de mim e saí para fazer. É preciso brigar pelo espaço, convencer
o jornal sobre a importância da matéria. Matérias que se tornaram maior
que o jornal mesmo.
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