domingo, 21 de julho de 2013

Jovens praticam menos de 4% dos crimes violentos

Índice refere-se ao número de ocorrências de homicídio, estupro e roubo que tiveram adolescentes apreendidos

Por DANIELA ARBEX E FLÁVIA CRIZANTO
Jovem, na foto ao lado da mãe, é um dos que passou por medida socioeducativa e construiu um novo presente Eles mataram, se envolveram com drogas, foram usados por traficantes, participaram de brigas de gangues e se tornaram exemplos do que a cidade teme e abomina. Para mostrar quem são os adolescentes que cometeram atos infracionais na cidade, a Tribuna mergulhou fundo no assunto e descobriu que a imagem que se faz destes jovens, considerados, na maioria das vezes, irrecuperáveis, pode ser diferente daquela desenhada pelo ódio social.
O fato é que os números mostram a participação de rapazes em crimes, mas não confirmam serem eles os principais responsáveis pela violência. Levantamento da Polícia Militar, obtido com exclusividade pelo jornal, aponta que, nos últimos dois anos e cinco meses, foram registradas na cidade 146 ocorrências de crimes violentos com jovens apreendidos, sendo 88 delas referentes a roubo tentado e consumado e oito homicídios praticados, além de 45 tentados. A média é de 8,5 ocorrências por mês com essa característica. Para citar um exemplo, das 158 ocorrências de crimes violentos registradas em janeiro deste ano, seis tiveram adolescentes apreendidos, o equivalente a 3,8% dos casos. O índice em Juiz de Fora, que não inclui todos os adolescentes envolvidos em atos infracionais, mas somente aqueles apreendidos, corresponde ao nacional e coloca a infração juvenil no centro do debate público. Afinal como tratar uma minoria transgressora?
Em busca de respostas, o jornal encontrou jovens que foram notícia nos últimos anos e descobriu que, no capítulo seguinte ao crime, muita coisa mudou. Mais da metade dos que cumpriram medidas socioeducativas conseguiram escrever um novo presente para suas vidas e superar a trajetória de transgressões, segundo a Vara da Infância e Juventude. Para muitos deles, a internação no Centro Socioeducativo foi o momento da virada. "Entrar lá mexeu muito comigo. Não era o lugar que queria para mim. Apesar de ter sido horrível, hoje sei que precisava", relata R., 19 anos, acautelado aos 16, durante um ano e meio, após dar três tiros e matar o pai de um colega que dividia com ele um lugar na gangue do seu bairro. A poucos meses de tornar-se pai, ele tem uma certeza. "Quero que meu filho seja melhor que eu."

Dor e vergonha
Também acautelado por homicídio que cometeu há três anos, J. cumpriu medida de internação por 16 meses. "Nunca tinha feito nada fora do tráfico. Com dinheiro que ganhava, eu zoava. Decidi que não queria mais isso para mim e não me arrependo de ter largado essa vida." A vontade de mudar nasceu quando a mãe foi visitá-lo na unidade do Bairro Santa Lúcia. A dor se misturou à vergonha pelo que fez. "Ela estava muito triste, e isso me deixou arrasado. Aí comecei a pensar no garoto que eu matei. Vi o que tinha feito contra alguém que eu mal conhecia. Fiquei um ano e quatro meses lá e posso dizer que os conselhos que recebi me fizeram refletir sobre minhas escolhas." Há um ano com carteira assinada, J. orgulha-se de ter podido comprar pela primeira vez, em 20 anos de existência, um presente para a sua mãe no Dia das Mães: um microondas. Também se mostra feliz por conquistar um salário de R$ 1 mil mensais e de poder usar o dinheiro em benefício de sua família. "Todo mundo merece uma segunda chance", diz.
O dono de um lava-jato da cidade concorda. Empregou há um ano o adolescente que conheceu no Centro Socioeducativo, onde ministrou curso profissionalizante. "Ele se destacou e resolvi chamá-lo para trabalhar comigo. Diante da oportunidade, mostrou-se muito responsável. Hoje tem a nossa confiança. Estamos felizes de tê-lo conosco", revela.
Procurada pelo jornal, a Vara da Infância e Juventude não forneceu o número de procedimentos em andamento para apuração de atos infracionais na cidade. A Secretaria de Defesa Social (Seds) também foi interpelada, mas afirmou não possuir pesquisa sobre a reentrada de adolescentes no sistema socioeducativo de Juiz de Fora.

Responsabilização tardia prejudica ressocialização

Atualmente, 151 adolescentes cumprem algum tipo de medida socioeducativa na cidade. Desse total, 73 estão acautelados, 14 na semiliberdade, 47 prestam serviços à comunidade e 17 estão em liberdade assistida. Para a Vara da Infância e Juventude, a aplicação das medidas de socioeducação vai além da punição, é justiça restaurativa. "Isso não significa que não sejam responsabilizados. Como exemplo, podemos usar a pena de um adulto que comete um crime. Quando ele pega 15 anos de prisão, pode ser que cumpra apenas três anos em reclusão e, depois, responda em liberdade. Com o adolescente, não há diminuição, é preciso completar toda medida", ressalta o psicólogo do órgão, Michael Moura.
Entretanto, a vara reconhece que existem falhas, principalmente por causa da demora do envio dos casos ao órgão. Há infrações que só chegam ao conhecimento do Judiciário três anos depois que foram cometidas, resultando na aplicação de medidas tardias e até no arquivamento do processo, obrigatório quando o envolvido completa 21 anos. "O tempo é precioso, porque ele é diferente para a criança e o adolescente. A responsabilização do ato no momento em que ocorre é de extrema importância e faz diferença na resposta à sociedade", confirma o assistente social da vara, Márcio Alvim.
Nos registros graves mais recentes, quando três tentativas de homicídio foram cometidas por adolescentes entre 14 e 17 anos, cinco rapazes foram acautelados provisoriamente. "Os casos mais graves são encaminhados para a vara, quando se pode decidir pelo acautelamento provisório. As decisões sobre cada adolescente são estudadas por equipe multidisciplinar e sugeridas à juíza. Já tivemos casos de começarmos o trabalho com um jovem e outros infratores pedirem para serem acompanhados", explica Alvim.
A implantação do Centro Integrado do Adolescente Infrator (CIS) na cidade ainda não aconteceu e é considerada fundamental para agilidade dos casos, já que muitos jovens que chegam a ser encaminhados para a Delegacia de Polícia Civil nem sempre são apresentados ao Ministério Público.

Redução da idade penal divide especialistas

Sem perspectiva e investimento de peso na infância e na adolescência, a discussão pela aprovação da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos torna-se uma das apostas para conter as infrações juvenis. Pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes, realizada em conjunto com o instituto MDA, aponta que mais de 90% dos entrevistados apoiam a redução da maioridade.
Entre os que defendem a medida está o jurista Ives Gandra Martins. Para ele, se um jovem pode decidir o destino do país, por meio do voto aos 16 anos, por que não criminalizá-lo a partir dessa idade? Embora admita que seja necessário um novo modelo penitenciário, já que as prisões não têm sido casas de reeducação, ele considera que a falta de estrutura das cadeias não pode ser usada como argumento para que "o jovem pratique o crime que quiser até os 18 anos". Na mesma linha, está o advogado Rogério Gandra, filho de Ives, que considera uma "esquizofrenia legislativa" o tratamento dado aos jovens, quando cometem infrações, comparado à gama de direitos conferidos. "Do ponto de vista jurídico, não compartilho do entendimento de que a inimputabilidade penal ao menor de 18 anos seja uma cláusula pétrea da Constituição e, portanto, imodificável. O direito deve ser revisto de forma urgente. Caso contrário, continuará letra morta na questão da maioridade penal."

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