quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

31 confrontos de gangues na área central este ano

Pelo menos a cada 15 dias, Centro foi alvo de tentativas de homicídio, rixas e correrias promovidas por rivalidade entre grupos

Por MARCOS ARAÚJO

"Vi meu filho sendo atacado e golpeado de canivete dez vezes. Fiquei em estado de choque." A afirmação é de G., 55 anos, que teve o filho agredido a golpes de canivete, ao desembarcar de um ônibus, na Avenida Getúlio Vargas esquina com a Rua Batista de Oliveira, no Centro, em agosto. Ela, assim como tantos outros juiz-foranos, teve a vida marcada pela violência que explode nas ruas da região central. O momento de terror vivido pelo filho da dona de casa é uma das dezenas de casos ocorridos no Centro de Juiz de Fora, em decorrência da rivalidade entre gangues. De janeiro a novembro, a Tribuna noticiou 31 ocorrências de situações de violência, rixa e apreensões de armas na área central. A maioria delas com o envolvimento de adolescentes e jovens. Em média, nas 44 semanas transcorridas neste período, de acordo com o levantamento do jornal, a cada quinzena, o Centro, onde circulam cerca de 150 mil pessoas por dia, foi transformado em cenário de medo. Fatos mais graves terminaram em tentativas de homicídio, inclusive com inocentes feridos. Eram pessoas que não tinham envolvimento com os conflitos, só estavam na hora e no local errados.
Os confrontos promovidos pelas galeras rivais, na zona central, é o tema da terceira reportagem da série "Até Quando?" G., moradora da Zona Nordeste, acompanhava o filho J., 23, quando ele foi violentamente atacado por um rapaz, 25, por volta do meio-dia. Esta ocorrência ocupa o 18º lugar no ranking levantado pela Tribuna (ver quadro). O agressor atingiu a vítima dez vezes com um canivete e só parou ao ser imobilizado pela Guarda Municipal. A cena causou pânico entre os populares.
Os números apurados pela Tribuna mostram que, das vítimas que sofreram algum tipo de lesão ocasionada por arma de fogo, arma branca ou espancamento, a maioria, 26 rapazes, tinha idade entre 15 e 18 anos. Do total, foram dez casos envolvendo uso de revólver, 13 com faca, dois com barra de ferro, um com estilete, outro com pedras, além de dois registros de agressão e espancamento.
 
'Agredido por engano'
No caso de J., como houve flagrante, o autor foi preso e conduzido ao Ceresp. O procedimento, conforme a assessoria de comunicação da Polícia Civil, já foi remetido à Justiça. Em entrevista à Tribuna, o rapaz afirmou que só foi atacado porque teria sido confundido pelo agressor, que estaria atrás de outro homem, para acerto de contas. "Quando desci do ônibus, vi que ele esperava por mim e olhava de um jeito estranho. Fiquei com medo e percebi que ele ia me avançar. Dei um soco nele e cheguei a imobilizá-lo. Mas o agressor pegou um canivete na mochila e passou a desferi-lo contra mim ", conta J., 104 dias após o fato. Ele sofreu múltiplas perfurações pelo corpo e ficou quatro dias hospitalizado no HPS. "Na hora, agi para defender minha vida."
Quando a Tribuna esteve na casa do rapaz, pela segunda vez, ele havia perdido o emprego em uma transportadora de móveis, o quarto membro da família a ficar sem ocupação. Ele disse que só prestava serviços no galpão da empresa, uma vez que não podia ir para a rua, pois o médico tinha recomendado que evitasse pesos devido às lesões, o que acabou prejudicando sua permanência no serviço. Ele também teve sequelas psicológicas. "Todas às vezes que passo naquela esquina, me lembro da agressão. É difícil esquecer a dor." Segundo a Polícia Militar, a agressão teria sido motivada pela briga entre gangues dos bairros Bandeirantes e Parque Guarani.

Medidas para enfrentar os embates

Algumas categorias profissionais atingidas pela violência nas ruas já adotam medidas para lidar com os confrontos, como é o caso da Guarda Municipal. Além do caso envolvendo J., no qual os guardas fizeram a imobilização do agressor, houve brigas entre grupos de jovens que a corporação precisou agir. Em agosto, eles impediram o confronto de quatro jovens armados com faca, na Galeria Ítala (19º caso). Um dia depois, detiveram dois indivíduos envolvidos em uma agressão, na Avenida Rio Branco. Um homem chegou a ser esfaqueado na cabeça e o outro, no braço (20º caso). Ambos fugiram e foram capturados pela Guarda Municipal no Terreirão do Samba, sendo entregues à PM. Um deles seria um dos que estavam na confusão da Galeria Ítala.
De acordo com um dos integrantes da corporação, 35 anos, que já sofreu duas ameaças de morte e terá seu nome preservado, a Guarda luta para ter mais autonomia em relação aos outros órgãos de defesa social, uma vez que, ao atuar em um crime, precisa acionar a polícia, a fim de registrar o delito. "Acreditamos na criação de um boletim de empenho assistencial, onde poderíamos registrar esse tipo de ocorrência e teríamos condições de encaminhar esses fatos aos órgãos responsáveis, sem precisar acionar a polícia. Do jeito que funciona atualmente, a polícia faz a confecção do Reds (Registros de Evento de Defesa Social) e não temos acesso. Por isso, se tivermos mais autonomia, poderíamos ter nossas próprias estatísticas e traçar metas de enfrentamento à violência."

Largo do Riachuelo
Comerciantes do entorno do Largo do Riachuelo, onde rixas foram registradas com vítimas esfaqueadas e baleadas, se sentem inseguros. Pelo menos quatro casos de brigas de gangues foram registrados no entorno, envolvendo trechos da Rua Benjamin Constant e da Avenida Getúlio Vargas. Só em novembro, foram duas ocorrências. Isso coloca a região como uma das mais temidas na área central. "Já cheguei a ver, pelo menos, quatro brigas aqui na frente. Houve uma vez que uma mulher levou uma pedrada na cabeça. Já tivemos que baixar nossas portas sob risco de ter nossa vitrine quebrada", contou um proprietário de loja que está há 12 anos no largo. Outro comerciante afirma que a praça se transformou em cenário para confrontos de galeras e consumo de crack e álcool. "Essa situação nos prejudica financeiramente, pois muitas famílias têm deixado de vir para o shopping devido ao medo." Em novembro, a PM inaugurou, no 3º andar do Santa Cruz Shopping, o Centro de Registro de Ocorrência Policial (Crop). A iniciativa também visa a aumentar a segurança dentro do estabelecimento.

Ataques frequentes nos coletivos

A mesma rivalidade sentida nas ruas é percebida nos ônibus urbanos e nos pontos. Na área central, galeras promovem ataques contra o transporte público coletivo, com o objetivo de atingir o integrante do grupo rival. Membros de gangues também foram abordados no interior destes veículos, portando facas e armas de fogo. Alguns profissionais alteraram as rotas dos coletivos, com o propósito de evitar trajetos com maior incidência de confrontos.
Há 27 anos trabalhando no ramo, o motorista Armando Souza, 49, conta que já presenciou tiros sendo disparados dentro do coletivo e que, certa vez, precisou se esconder debaixo do painel do ônibus para não ser apedrejado. "No Bairro Santos Dumont (Cidade Alta), vi ônibus sendo alvo de pedradas devido à briga entre gangues. Essa situação deixa a gente que trabalha na linha e os passageiros amedrontados. Algumas vezes, para evitar esses embates, muitos motoristas alteram seus trajetos sim. É uma forma de garantir sua segurança e dos outros." Ele argumenta que essa situação é generalizada, não sendo privilégio de uma ou outra região. "É preciso aumentar as abordagens nos pontos onde há maior concentração de jovens."


Compreender a motivação dos jovens

Para Luciana Guimarães, diretora do Instituto Sou da Paz, com sede em São Paulo, é preciso ser feito um diagnóstico sobre a questão do jovem relacionado a atos violentos. "Só assim é possível pensar ações de prevenção e na solução efetiva do problema. Nesse sentido, é necessário entender qual a trajetória desses jovens, qual a trajetória escolar, familiar e de suas relações afetivas, para saber quem são eles. O objetivo é tentar entender a motivação que os leva aos atos de violência. É passional? É por que essas ações os deixam bem diante das meninas? É por que têm fácil acesso a armas? Deve-se conhecer quando essas ocorrências são mais frequentes: nos finais de semana, à noite, de madrugada, nos bares, em espaços públicos? Diante da clareza do problema, pode-se engendrar a ação preventiva."
Na visão da diretora do instituto, cujo objetivo é influenciar a atuação do Poder Público e de toda a sociedade no enfrentamento da violência, há a necessidade de criação de uma agenda de prevenção a longo e médio prazos, com o propósito de auxiliar a juventude a resolver seus conflitos, capacitá-la de repertório para saber lidar com as diferenças. "Todos que trabalham com jovens deveriam estar preocupados com estas agendas, porque são habilidades necessárias para o convívio social. Independente das soluções de tempo estendido, há carência de soluções de curto alcance, com conhecimento específico dos casos, a fim de que se possa atuar de maneira objetiva. É preciso um trabalho de mediação de conflitos, feito talvez pela PM em parceria com agentes comunitários, assistentes sociais, educadores e lideranças comunitárias. É uma iniciativa casada de repressão e mediação."

PM monitora redes
De acordo com o comandante da 30ª Cia de Polícia Militar, capitão Jovanio Campos Miranda, as áreas consideradas nevrálgicas do Centro foram mapeadas, para lançamento de policiamento a fim de coibir ocorrências. Entre os locais de maior preocupação, ele aponta o Largo do Riachuelo e as imediações das casas noturnas, como na região do Mergulhão. "Temos lançado policiamento periódico nas modalidades bike, a pé e viatura, além de equipes da 3ª Cia de Missões Especiais (CME), para conter estes conflitos. Alem disso, a corporação trabalha monitorando as redes sociais, onde conseguimos colher informações de locais onde essas galeras marcam para fazer acertos de conta. Com isso, já conseguimos evitar confrontos", afirma o militar, acrescentando: "Muitos desses delitos são proporcionados pelo ambiente onde acontecem. Assim, é necessária a intervenção, não só da PM, mas de outros órgãos, como Prefeitura e Ministério Público, com a finalidade de sanar o problema. Temos informações de que há casas noturnas onde os frequentadores entram armados e há casos de tráfico de drogas. A questão só será resolvida com a sensibilização de todas as partes envolvidas."
> Hoje, às 10h30, no programa Rádio Vivo da Solar-AM, o repórter Marcos Araújo e o apresentador Marcelo Juliani conversam sobre o tema com o capitão Jovanio Campos Miranda, comandante da 30ª Companhia de Polícia Militar.

Fonte: Tribuna

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