domingo, 3 de março de 2013

Detento da PPACP aprovado na UFJF

Preso de 41 anos prestou Enem e garantiu vaga no curso de pedagogia, cujas aulas terão início no 2° semestre

Por MARCOS ARAÚJO
Ronaldo Tadeu da Silva se preparou na Ariosvaldo Campos Pires, onde 90% dos presos frequentam aulas
Ao ouvir no rádio a história de uma prisioneira do regime fechado que foi aprovada para uma universidade, no Estado de Alagoas, Ronaldo Tadeu da Silva, 41 anos, pensou: "Por que não eu?" Determinado a repetir a história, o detento da Penitenciária José Edson Cavalieri iniciou a maratona de estudos, e hoje seu nome figura entre o de centenas de novos estudantes que vão ingressar na UFJF no segundo semestre deste ano. Sua vaga para o curso de pedagogia foi conquistada depois de se inscrever no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Em entrevista à Tribuna, ele conta que estudava de três a quatro horas por dia, fora do horário de trabalho.
Quando se inscreveu e fez os exames, Ronaldo, que também cumpre pena no regime fechado e deve ser transferido para o semiaberto em junho, era da Penitenciária Ariosvaldo Campos Pires, onde outros 66 acautelados realizaram os testes. Para se preparar, ele contou com uma parceria entre a unidade prisional e um curso preparatório para vestibulares de Juiz de Fora. Assim, o candidato teve acesso a livros didáticos com exercícios e pôde tirar dúvidas com professores.
"Estou bastante ansioso pelo início das aulas. Minha aprovação deixou minha família muito feliz. Sou solteiro, mas tenho um filho. Isso serve de estímulo para mim, que estou em busca de uma nova vida, e também para meus familiares e para os outros prisioneiros. Além disso, a aprovação de um detento no ensino superior não é muito comum," orgulha-se Ronaldo, acrescentando que sua matrícula na faculdade já foi efetivada. Antes da condenação (por se tratar de um programa de ressocialização, o crime cometido por Ronaldo não foi divulgado), ele trabalhava como instrutor de autoescola, função que chegou a exercer por dez anos. "Como tinha facilidade para ensinar, tenho certa afinidade com a pedagogia. O curso pode representar a abertura de um novo universo para mim. Estar na cadeia não é empecilho para crescer na vida. Só não segue adiante quem não quer."
Para a diretora geral da Ariosvaldo Campos Pires, Ândrea Valéria Andres Pinto, ter um acautelado aprovado no ensino superior é resultado do esforço que tem sido feito para manter a educação na unidade. "Chegar com professores e deixá-los, de quatro a cinco horas, em um pavilhão com os detentos não é fácil. Tivemos que vencer preconceitos, mostrando que os presos são alunos como aqueles lá fora. Ter um sentenciado aprovado em uma universidade e ter a perspectiva de haver outros no mesmo caminho é muito gratificante." Sete sentenciados da penitenciária ainda aguardam a segunda chamada do Programa Universidade para Todos (ProUni) e duas prisioneiras esperam pelo resultado do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec).
"Quando eles (os presos) trabalham e estudam, saem do ócio, a cabeça fica ocupada. A penitenciária ganha tranquilidade, e os funcionários se sentem mais seguros."
Atualmente, a Ariosvaldo Campos Pires tem 529 detentos, dos quais 90% estudam. A cada três dias de aula, o preso é beneficiado com um dia de remição. Ândrea ainda pontua que, em caso de estudo, a Vara de Execuções Penais concede autorização para que o preso frequente as aulas.

'Sempre pode haver um recomeço', avalia calouro

Atualmente, a Penitenciária Ariosvaldo Campos Pires oferece o ensino fundamental e a modalidade educação de jovens e adultos (EJA). Com o Plano Individual de Ressocialização, programa do governo do Estado, a unidade prisional lança mão de uma equipe multidisciplinar, que é responsável pelo atendimento ao indivíduo privado de liberdade. "Fazemos um diagnóstico de quem é o nosso preso, a fim de traçar um planejamento para o retorno dele à sociedade", destaca a pedagoga da penitenciária, Viviane de Freitas. "No caso do Ronaldo (Tadeu da Silva), quando foi entrevistado, identifiquei sua escolaridade, sua maneira de falar e a facilidade de escrita, além de certa desenvoltura", explicou a profissional. Ela lembra que, quando surgiu a orientação para que a unidade oferecesse a possibilidade de disputar o Enem, foi feita uma busca nos pavilhões, de cela em cela, para identificar quem estava disposto a participar. Ronaldo, que já tinha o ensino médio, foi um deles.
Segundo Viviane, a vitória dele causou um reboliço na penitenciária, pois serviu de incentivo para que outros procurassem o estudo. "A princípio, o motivo é a redução da pena, mas depois que começam a estudar, eles resgatam o indivíduo anterior ao delito, que é o nosso objetivo. Antes de cometer um crime, eles foram meninos, moças, alguém com um sonho. É esse indivíduo que estamos procurando. Quando acontece o sucesso de um, todos os outros se nutrem de esperança. A gente tenta aproveitar essa esperança para que ela não se apague por completo."
Ao ser questionado sobre se sentir uma referência dentro da cadeia, o novo calouro da UFJF disse que, não apenas ele, mas todos que se propuseram a participar do Enem são modelos. "Isso significa uma melhora. Não é porque estou preso, que vou colocar um fim na minha vida. Sempre pode haver um recomeço."
Outros 3.140 detentos de 95 unidades prisionais de Minas Gerais participaram do Enem no ano passado. O número é quatro vezes maior do que o registrado em 2011. Na Zona da Mata, 196 internos fizeram as provas. Em Muriaé, um detento da Penitenciária Doutor Manoel Martins Lisboa Júnior foi aprovado no curso de educação física na Universidade Federal de Viçosa (UFV).

FONTE: TRIBUNA DE MINAS

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