quinta-feira, 14 de março de 2013

REPORTAGEM DA TRIBUNA DE MINAS SOBRE ONDA DE VIOLÊNCIA

Tribuna inicia série sobre a violência com debate a respeito de suspeitos que acabam liberados

Por Guilherme Arêas e Michele Meireles


A cena se repete com frequência em Juiz de Fora: um crime é praticado, a polícia captura o suspeito, leva-o até a delegacia e, depois de horas de espera, ele acaba solto ou consegue liberdade por via judicial. O Judiciário, por sua vez, não tem como agir com celeridade por causa do acúmulo de processos. E, assim, infratores ganham novamente as ruas e, muitas vezes, acabam praticando novos delitos. Além disso, a mudança na Lei 12.403/2011 aumentou o rol de crimes afiançáveis. Com esse quadro, cresce a sensação de impunidade na sociedade. Esta preocupação se dá em um momento em que a criminalidade assusta no município e volta a ser debatida pela Tribuna, na série "Basta de violência", que coincide ainda com o seminário "Violência urbana em Juiz de Fora: o que deve ser feito".
Na última segunda-feira, um homem foi preso pela Polícia Civil suspeito de furtar R$ 50 mil em joias, mas ele saiu da delegacia antes das vítimas. "É um absurdo. A polícia identificou o autor, fez um ótimo trabalho, ele confessou o crime, mas foi liberado. Nos sentimos oprimidos", indigna-se uma das vítimas. Ontem quatro pessoas, que já haviam sido presas pela 6ª Delegacia de Polícia Civil por tráfico de drogas e liberadas em seguida, voltaram a ser detidas pelo mesmo crime. Elas foram flagradas vendendo entorpecentes na mesma rua em que o primeiro caso havia ocorrido há quatro meses. Já em dezembro, dois homens de 19 e 20 anos foram presos por suspeita de assaltar uma mulher no Bairro Santa Terezinha, na região Nordeste. Eles já haviam sido detidos cerca de 15 horas antes por tráfico de drogas, no Eldorado. No entanto, na primeira ocorrência, a dupla foi liberada logo após prestar depoimento na delegacia. Outros exemplos acontecem com certa assiduidade.
Muitas vezes, isso ocorre porque o Brasil adotou como um dos seus princípios constitucionais o da presunção da inocência. Isso quer dizer que um cidadão só pode permanecer preso depois de ter sido condenado pelo Poder Judiciário, o que ocorre após a pessoa ter sido acusada, processada e apresentado a sua defesa. Nos casos excepcionais, são admitidas as prisões cautelares ou processuais.
Para o doutor em ciência política Leandro Piquet Carneiro, a situação é mais complexa do que parece. Ele, que participa do seminário hoje em Juiz de Fora, acredita que "há carência de todos os lados, mas ela não explica sozinha porque certos órgãos não funcionam. A lei atrapalha, é ruim, é garantista ao extremo. Mas se há uma equipe comprometida, os resultados podem ser produzidos. O chororô corporativo é geral, o problema é sempre do outro, aí a coisa para de funcionar", afirma, referindo-se a casos em que não há como manter a prisão por conta de falhas nos encaminhamentos. Ele ainda acrescenta a falta de investimentos no setor: "Há limitações nos recursos institucionais. No Brasil, gasta-se muito pouco com segurança e justiça criminal. O gasto não se ajustou com a patamar que a violência chegou."
Alguns policiais questionam todo o empenho e o risco que correm na captura de um criminoso já conhecido do meio policial para, depois de ser detido, acabar liberado, principalmente se for um crime de menor potencial ofensivo. O assessor organizacional da 4ª Região da Polícia Militar, major Paulo Alex Moreira, não acredita que o quadro cause um sentimento de impotência nos militares, mas é enfático ao afirmar que a impunidade desafia o combate à violência. "A PM trabalha tendo conhecimento da permissividade da legislação atual. Mas prenderemos quantas vezes forem necessárias. A percepção técnica e clara que nós temos é que a maioria dos infratores, principalmente os reincidentes, tem a certeza que não vai pagar pelo crime que cometeu. Principalmente os menores de idade, quando são apreendidos. A caminho da delegacia, já falam que não ficarão presos."
Na avaliação do juiz titular do Tribunal do Júri, José Armando Pinheiro da Silveira, a sensação da falta de punição está mais incutida na sociedade do que no autor. "Não acho que há impunidade. Pelo contrário, acredito que estamos punindo e prendendo demais. Como estamos no processo de mudança na legislação, causa esta falsa impressão de que há impunidade. Hoje existem medidas intermediárias para punir. Antes era cadeia ou rua. A repressão existe, mas com outros métodos", ponderou José Armando. O magistrado acredita que "existe muito mais reincidência nos que foram condenados e cumpriram pena". " Para o diretor do Fórum Benjamin Colucci, juiz Edir Guerson, o prende e solta pode causar esta sensação de impunidade na população, "mas temos que seguir a lei. Se o réu é primário, tem bons antecedentes, tem direito de responder em liberdade. A Justiça tem seus erros, mas o problema disso é da legislação. O juiz só aplica a lei, e é o primeiro que tem que cumpri-la".

Pilhas de inquérito sem conclusão

Quando os boletins de ocorrência viram inquérito, e, assim, objeto de investigação da Polícia Civil, esbarram em outros problemas: a falta de policiais civis e a demora do Judiciário em atender aos pedidos dos delegados. "A verdade é que não temos pessoal na Polícia Civil, tenho pilhas de inquéritos na minha mesa que não consigo terminar. A situação é muito séria, nunca foi assim. Fica impossível investigarmos tudo, e, sem dúvidas, isto abre precedente para que outros crimes sejam cometidos. É uma lacuna", afirma um delegado.
Segundo um agente policial, no ano passado, por exemplo, um grande volume de material ilegal foi apreendido, e as investigações apontavam que havia outros produtos na casa do suspeito. O delegado solicitou um mandado de busca e apreensão na residência do suspeito, porém, a resposta do Judiciário só teria sido enviada três meses depois, perguntando se o documento ainda era necessário. "Sinto que há uma demora em analisar pedidos. Às vezes, temos casos importantes que não vão para frente por dependerem da Justiça, por exemplo, para expedir um mandado de busca e apreensão," lamenta este delegado.
O diretor do Fórum de Juiz de Fora, Edir Guerson, ponderou que a delonga pode existir, mas que só acontece porque há "um rito legal a ser seguido. É fato que, quando são pedidas medidas no decorrer das investigações, elas são de urgências, mas não podemos pular etapas".

Divergências sobre a legislação

Policiais ouvidos pela Tribuna afirmam que a nova lei de execuções penais aumentou o sentimento de impotência da polícia perante o crime. A lei 12.403/2011 impede a prisão preventiva no caso de réu primário naqueles crimes em que a pena não ultrapassar quatro anos, como por exemplo, os furtos, deixando sob a guarda do Estado apenas os criminosos considerados de maior periculosidade. O chefe do 4º Departamento da Polícia Civil de Juiz de Fora, Paulo Sérgio Virtuoso, atribuiu parte da falta de punição à atual legislação. "De anos pra cá, a tendência é tirar o suspeito da cadeia o máximo possível, usando a prerrogativa de que a prisão não ressocializa. Realmente, da forma que é não ressocializa. Até a pessoa ser condenada, já cometeu vários crimes e, quando é condenada, também não vai presa."
Outro delegado, que prefere não ter o nome divulgado, avalia: "Se o suspeito for conduzido à delegacia por um crime que não esteja previsto na nova lei e cuja pena máxima seja de até quatro anos, eu serei obrigado a arbitrar fiança. A lei pode provocar uma sensação de impunidade tão grande que as pessoas podem ficar com medo de denunciar, já que dificilmente o suspeito vai ficar preso."
Já o juiz José Armando Pinheiro da Silveira defende que as mudanças provocadas pela lei 12.403 são "um avanço processual. Existe muita acusação falsa. Hoje, quando a pessoa é presa, tenho 24 horas para decidir se o mantenho preso ou não. Cada caso é um caso e cada ser é um ser, é preciso avaliar. Cada um tem um perfil, um histórico. Não haveria justiça se não houvesse isso. Está comprovado que colocar a pessoa em uma jaula não está resolvendo a paz social. Há 40 anos prendo pessoas e não consegui a paz social, ninguém consegue."

Adolescentes envolvidos no crime

Entre os menores de idade que não podem ser presos, muitos são cobiçados por criminosos e traficantes para trabalhar na venda de drogas. Para o professor de direito penal e criminologia da UFJF Leandro Oliveira Silva, a situação é complexa. "O adolescente é uma pessoa, por mais que todos digam ao contrário, em desenvolvimento. Embora tenham consciência do que estão fazendo (sabem que é errado), não possuem maturidade, domínio próprio bem firmado e são vulneráveis a toda sorte de criminalidade por inúmeras razões. Assim, devem ser tratados como tais, pessoas em desenvolvimento."
Em casos acompanhados pela Tribuna nos últimos meses, chama atenção a reincidência criminal entre estes jovens com menos de 18 anos de idade. Um deles, morador do Bairro Ipiranga, na Zona Sul, e que completa 17 anos hoje, acumula sete passagens pela polícia em um intervalo de pouco mais de um ano. Os boletins de ocorrência da Polícia Militar apontam que os atos infracionais cometidos por ele estão cada vez mais graves, sem que o menino tenha cumprido medidas socioeducativas. Em sua ficha criminal, há crimes como tráfico de drogas, porte de arma e ameaças à própria mãe.
Em fevereiro, um adolescente de 14 anos foi pego três vezes pela Polícia Civil em um período de pouco mais de uma semana. Em todas as abordagens, ele foi flagrado comercializando pedras de crack no Bairro Ladeira, região Leste, sendo levado para a delegacia e, depois, liberado. Na última apreensão, ao contrário das outras situações, ele foi encaminhado à Vara da Infância e da Juventude, onde foi ouvido pela Promotoria, que representou pelo acautelamento do rapaz.
Histórico semelhante tem um garoto de 13 anos, apreendido seis vezes pela polícia, entre ocorrências de tráfico, porte ilegal de arma e furto. Na última delas, no dia 26 de outubro, quando foi localizado com oito pedras de crack, ele foi acautelado no Centro Socioeducativo, de onde saiu há cerca de um mês, e hoje cumpre a medida em semiliberdade. A mãe, uma diarista de 39 anos, visita o garoto todo domingo e, após o acautelamento, passou a ter mais tranquilidade para trabalhar. Antes ela precisava deixar o filho sozinho enquanto passava até 12 horas dando faxina em casas de família. "Tenho conversado muito com ele. Acho que mudou, está estudando, fazendo cursos. Pelo menos, ele diz que não vai mais voltar a fazer o que fazia."
A juíza da Vara da Infância e da Juventude, Maria Cecília Gollner Stephan, discorda da prerrogativa de que a suposta impunidade imputada aos menores de 18 anos seja o aval para que os criminosos os utilizem e para que eles cometam atos infracionais. "Os traficantes vão dar a eles o que estes adolescentes não têm em casa. Mas os garotos sabem que terão que pagar."
A magistrada acredita que a reincidência seja exceção e não relaciona os casos recorrentes com a falta de punição. "Não há impunidade. Na minha avaliação, a punição para os adolescentes é mais severa que para os maiores. Enquanto os casos são julgados, eles permanecem acautelados, diferente da maioria dos maiores." Ela acredita que medidas socioeducativas, como a prestação de serviços à comunidade "surtem muito mais efeito que o acautelamento".

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Os comentários postados pelos leitores deste blog correspondem a opinião e são responsabilidade dos respectivos comentaristas leitores e não correspondem, necessariamente, a opinião do autor do Blog dos Agentes Penitenciários de Juiz de Fora.

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.