domingo, 5 de agosto de 2012

Conflitos de gangues rivais já deixaram 9 mortos e 25 feridos

Integrantes das galeras sentenciam diante do ciclo de confrontos entre os bairros. Só este ano, foram 9 mortos e 25 feridos

Por Renata Brum
A violência em Juiz de Fora vem sendo desenhada com sangue dos jovens ligados às gangues. "Se matam um daqui, temos que matar um de lá", anuncia um adolescente de 16 anos, do Jóquei I, referindo-se aos jovens do Jardim Natal e Jóquei II. Para tentar entender essa situação, que resultou em nove mortes e em pelo menos 25 meninos e meninas feridos este ano, até a primeira quinzena de julho, a Tribuna procurou 12 adolescentes envolvidos em conflitos e ainda familiares, vizinhos e outras pessoas afetadas pelos confrontos. A constatação é triste: não há esperança de futuro para esses jovens. O presente é restrito a poucas oportunidades.
Muitos estão reféns em suas casas. "Ele não pode sair daqui. Não está estudando, pois, na escola daqui, não tem sala para ele. Também não trabalha porque, se desce, pode ser morto", revela a mãe do adolescente de 16 anos esfaqueado no Santa Cruz Shopping, no último dia 16. E o futuro pode mesmo não acontecer. "Tenho 62 anos de idade, com saúde. Fico triste em pensar que o meu neto pode não chegar nem aos 20", sentencia o avô do garoto.
Durante um mês, o jornal fez levantamento de casos de confrontos de galeras deste ano, resultando em um relatório de 57 páginas, considerando o banco de dados da Tribuna. O material começa a ser divulgado hoje na série "Sem limites". As rixas estão pulverizadas por toda a cidade, expondo terceiros a riscos: na última sexta-feira, houve dois esfaqueamentos de jovens na Avenida Getúlio Vargas; em julho, ocorreu uma tentativa de homicídio em shopping e tiros disparados a esmo na Rua Benjamin Constant; no mês anterior, esfaqueamento e briga no HPS e esfaqueamento em ponto de ônibus da Rio Branco, resultando em uma senhora ferida. Em março, uma loja do Calçadão da Halfeld foi obrigada a baixar as portas após o conflito entre quatro jovens. Nessa semana, dois carros foram baleados no Retiro, após confrontos entre adolescentes do bairro contra os do Jardim Esperança. Na terça, na Zona Norte, mais um jovem foi alvejado.
Apesar de a violência extrema ser constatada nas ruas, nas ocorrências, crimes são tratados pelas autoridades como "simples rixas", "casos isolados" ou situações "menos graves", explicadas como atos de rebeldia ou necessidade de autoafirmação desses jovens. Além disso, órgãos públicos não têm buscado atuações maiores e em conjunto que possam surtir efeito. Ações são pontuais e demoradas, enquanto os confrontos se multiplicam. As mais recentes foram a ocupação pela PM da divisa entre Jóquei e Jardim Natal, na Zona Norte, entre os dias 20 e 22 de julho, e a prisão de integrantes do Bonde do Scooby, gangue que atuava sobretudo no Santa Cruz, pela Polícia Civil, em maio.
Além das ações pontuais, a PM tem programas preventivos - como Jovem Construindo a Cidadania (JCC) e Programa Educacional de Resistências às Drogas e à Violência (Proerd) - mas que ainda não conseguem impedir o envolvimento de grande parte de crianças e adolescentes no universo dos confrontos.
Sem solução imediata, o ódio vem sendo alimentado nos bairros. A necessidade de revanche e o sentimento de vingança originam a violência sequencial. Ao se embrenhar neste universo de violência, o que se percebe é que um caso leva a outro. É um ciclo, e a facilidade de acesso às armas abrevia a conclusão: "Vamos ter mais mortes", avisam meninos envolvidos. Mas até quando?

Adolescente diz ser fácil conseguir arma

As motivações das brigas são conhecidas: ciúmes, discussões em festas, furtos de bonés, sentimento de posse sobre meninas, controle do território e demonstração de força. Em menor proporção, há casos ligados ao tráfico de drogas. Mas impedir as desavenças é o desafio.
Entre os adolescentes ouvidos pela Tribuna, é difícil encontrar quem saiba explicar a origem das brigas entre bairros vizinhos. "Os moleques de lá (São Damião) é que pulam na gente à toa", disse um adolescente de 15 anos, alvo dos tiros que atingiram um jovem de 18, na última terça-feira, no Santa Cruz. Quando conversava com a Tribuna, no HPS, seu celular tocou, e ele foi ameaçado pelo suspeito de ser atirador, morador do São Damião. "Ele disse que vai vir aqui, e que eu não vou escapar." Ainda na Zona Norte, outro adolescente, 16, tenta explicar os motivos da violência. "Se vêm aqui, é porque estão querendo briga", conta o menino do Jóquei, a respeito dos grupos do Jardim Natal e Jóquei II.
"Geralmente é por causa de boné", contou um adolescente, 14, do Granjas Bethânia. "Isso veio lá de trás e não parou. Eles (moradores do Parque Guarani) não podem entrar na Bethânia. Às vezes, vêm afrontar e não podemos ficar no prejuízo", relatou outro, 16. "Isso é velho. Não tem muita explicação. Se eles fazem alguma coisa, revidamos", conta outro, 18, do Ipiranga, que tem no corpo cicatrizes das brigas.
"Na hora do confronto, a gente usa o que tem, pedra, pau, faca. E também é fácil conseguir arma. Até foguete a gente usa", avisa um adolescente 16. "Se vêm aqui e dão tiros, temos que ir lá tirar satisfação, ou então acontece o encontro no Centro. Até pegar ônibus é complicado, porque começam a tampar pedras", conta um garoto, 17, do Santa Efigênia.
Comandante da Rotam, tenente Herivelton Soares, que participou da instalação da base da PM na divisa do Jóquei e Jardim Natal, em julho, reconhece a dificuldade de se resolver os confrontos. "Antigamente a disputa era nos bailes funk, disputa de passinhos entre um bairro e outro. Mas houve a mudança, e a rivalidade passou às brigas. Com maior acesso às armas, eles mudaram o modo de ação. Sempre dois de moto passaram a ir no bairro rival e disparar à esmo. O grupo atingido quer vingar, e isso não para. Acertando um. Bingo. Eles somam pontos."
CIA
Para a juíza da Vara da Infância e Juventude, Maria Cecília Gollner Stephan, a implantação do Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional (CIA) garantirá agilidade na responsabilização dos menores de idade. A previsão é de que a verba para a construção seja liberada em outubro e que os trabalhos comecem em janeiro. Segundo a juíza, o CIA será implantado no prédio da Vara, na Avenida Brasil 1.000, no Poço Rico, e receberá todas as ocorrências envolvendo adolescentes, mesmo com presença de maiores. "Hoje cuidam por último do adolescente. Com o CIA, virão todos para cá. Teremos dois delegados e dois escrivães e faremos todo o procedimento. Só depois o maior será encaminhado à delegacia. Isso também vai evitar que fiquemos sem saber dos casos ou atrás dos procedimentos na Vara Criminal."

Falta relação entre os casos nas apurações

Ao longo dos últimos anos, a Tribuna vem acompanhando a violência entre os adolescentes, denunciando inclusive o uso das redes sociais por meninos e meninas para fazerem não somente ameaças aos rivais, mas ostentarem armamentos e fazerem apologia ao crime. Cada caso foi noticiado e informado às autoridades. Ações foram iniciadas, como a identificação de líderes das gangues pelas polícias, muitas outras prometidas, mas não foram levadas adiante e não impediram as tantas perdas na cidade. Para o coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Políticas de Controle Social da UFJF, André Moysés Gaio, a carência de investimentos no município e nas corporações agrava a situação. "A Polícia Militar e a Civil carecem de recursos, equipamentos e instalações para fazer o trabalho que a sociedade deseja."
Em relação ao trabalho da Polícia Civil, a demora em encaminhar os casos à Justiça e em fazer relações entre as ocorrências contribuem para a impunidade dos jovens. As investigações não chegam em tempo hábil à Vara da Infância e são incompletas, soltas, sem relações com fatos anteriores, na maioria das vezes. "Na segunda-feira (23 de julho), tive que liberar um adolescente envolvido em dois homicídios porque não tinha provas da materialidade, e isso são os delegados que precisam apresentar. Pela legislação, só posso deixar um adolescente acautelado 45 dias e, como não recebi nada, tive que liberar. Tenho que cumprir a lei. E eu também só consegui acautelar o menino, pois tinha dois boletins da PM, que são apenas indícios de autoria. Estamos tendo que acompanhar e ficar atentos às notícias divulgadas pela imprensa, para termos a dimensão do que está acontecendo. Quando chegam, estão incompletos. Chegou ao ponto de termos que ir buscar o atestado de óbito na casa da família da vítima", dispara a juíza tMaria Cecília Gollner Stephan.
Para a magistrada, as investigações esparsas esbarram, sobretudo, na mudança frequente de delegados que prejudica a apuração sequencial das ocorrências. "Esperamos que cada delegado volte a assumir uma região e fique nela por mais tempo, como em 2010 e 2011, e estava funcionando. Desde o final de 2011, as mudanças têm sido frequentes."
Delegado Rodolfo Rolli, que retornou há pouco para a 3ª Delegacia Distrital, responsável pela Zona Norte, confirma a situação. "Às vezes, acompanhamos todos os casos, mas vamos para outra área ou saímos do expediente, e o novo titular pode não visualizar a ligação de um caso com outro e acaba montando procedimento solto, sem provas suficientes."
Poucos profissionais
A defasagem no quadro da instituição também seria um dificultador. Na Zona Norte, são três investigadores. Na 4ª Delegacia Distrital, responsável pela região Nordeste, um delegado e um investigador precisam dar conta de todos os inquéritos de mais de 27 bairros. Nesta área, há conflitos frequentes. Já na 1ª Delegacia, na Zona Sul, onde as brigas extrapolaram os limites, são quatro investigadores.
A Polícia Civil rebate as críticas e diz que a rixa entre grupos rivais e os crimes decorrentes destas disputas são alvos prioritários de combate. Ainda informou que todos os nove casos com mortes encontram-se sob investigação, sendo que 50% já foram concluídos com indicação de autoria e materialidade, assim como prisão dos suspeitos e encaminhamento à Justiça. Ainda garante que os casos envolvendo adolescentes são prontamente oficiados à Vara e que as transferências dos delegados visam ao melhor funcionamento dos trabalhos.

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