segunda-feira, 2 de julho de 2012

Lei da nova fiança completa 1 ano, mas não reduz lotação de cadeias

Objetivo da lei era diminuir as prisões provisórias, mas número aumentou.
Para Defensoria, fianças ‘impagáveis’ mantêm mais pobres nas cadeias.

Rosanne D'Agostino Do G1, em São Paulo
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A Lei 12.403, que criou medidas cautelares com o objetivo de combater a banalização da prisão provisória no país, completa um ano nesta quarta-feira (4) sem cumprir sua principal missão. O número de presos sem julgamento continua aumentando e, segundo especialistas, uma aplicação falha da lei tem contribuído para que essa população carcerária seja composta cada dia mais por pessoas mais pobres.
Infográfico: Total de presos no Brasil (Foto: G1)
Dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça mostram que a lei ainda não resultou em uma diminuição na população carcerária brasileira (veja gráfico ao lado). Embora o o número de presos provisórios tenha crescido menos (o aumento em 2011 foi de 1%, contra 2,9% em 2010), o total de presos provisórios chegou a 217 mil no em dezembro de 2011, último número disponível.
Para defensores públicos, o motivo é uma falha na aplicação da lei. Eles afirmam que juízes têm privilegiado a fiança em detrimento de outras medidas. Na prática, o resultado é uma piora na situação prisional: quem não tem dinheiro fica preso, mesmo tendo direito à liberdade provisória.
O G1 listou casos de aplicação da nova lei no último ano. Entre eles, o de um juiz que aplicou medida de recolhimento noturno ao domicílio a um morador de rua preso em flagrante por furto (leia: "Sob nova lei, juiz mandou morador de rua ficar em casa à noite em SP"). O problema, para a Defensoria Pública, era óbvio: em que domicílio?
Além disso, especialistas afirmam que alguns juízes não têm especificado os motivos das preventivas em suas decisões e, em muitos casos, nem sequer têm usado as medidas, determinando a prisão quando caberia uma medida cautelar.
Quem fica preso?
Antes da nova lei, o próprio flagrante justificava a prisão. Agora, o juiz precisa fundamentar a decretação de uma prisão preventiva, que deve ser aplicada apenas como última saída.
A lei serve para quem não é reincidente e cometeu um crime com pena prevista de até 4 anos. São nove medidas restritivas de liberdade, entre elas estipular o pagamento de uma fiança e não permitir que a pessoa saia da cidade (veja lista abaixo).
A intenção da lei era não mandar para a prisão alguém que, mesmo condenado, não seria preso (uma pena de 2 anos, por exemplo, seria substituída por prestação de serviço à comunidade, mas em muitos casos, o réu ficava preso mais do que isso antes de ser julgado).
'Jeitinho'
O primeiro solto pela nova lei, no dia 4 de julho do ano passado, foi proibido de frequentar uma casa de prostituição. Segundo defensores públicos e pesquisadores, no entanto, a tendência de juízes desde então foi a de privilegiar outra medida: a fiança.
“O problema disso é que se a pessoa furtou o desodorante, e o juiz fixou um salário mínimo para sair, ela não paga e fica presa”, afirma a defensora pública Virgínia Sanches Rodrigues Caldas Catelan, coordenadora no Dipo (Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária), que concentra as prisões em flagrante da capital paulista.
Segundo dados do Depen, São Paulo não apenas não conseguiu reduzir as prisões provisórias, como teve aumento de 3,6% em 2011, mais do que o triplo do percentual nacional.
Medidas cautelares previstas na nova lei
1- comparecer periodicamente em juízo
2 - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares relacionadas ao crime cometido
3 - proibição de manter contato com pessoa determinada
4 - proibição de sair da cidade
5 - recolhimento em casa à noite
6 - suspensão do exercício de função pública ou de atividade econômica
7 - internação provisória em crimes praticados com violência quando for inimputável ou semi-imputável
8 - fiança
9 - monitoração eletrônica (tornozeleira)
"Grande parte são pessoas pobres e continuam presos. É um jeitinho de manter a prisão sem decretar a prisão", diz Catelan.
Milena J. Reis, defensora pública que também atua no Dipo na capital paulista, diz que no 2º trimestre do ano passado tomou 8 providências relacionadas à fiança no departamento. No mesmo período de 2012, foram 116, um "aumento considerável", diz.
Segundo ela, porém, os juízes ainda preferem converter o flagrante em preventiva. "Antes, alguns casos em que talvez a pessoa sairia sem qualquer restrição, agora ela consegue essa liberdade provisória mas com uma medida cautelar junto, uma restrição a sua liberdade", afirma.
Morador de rua e ladrão de varal
O G1 encontrou decisões desse tipo tomadas por juízes do Dipo. Em um dos processos, um morador de rua que furtou fios permanece preso por causa de dois salários mínimos de fiança. Um homem furtou duas peças de carne e ficou dez dias em um presídio porque não tinha como pagar R$ 622.
Duas jovens, de 20 e 21 anos, que nunca tinham praticado crime, foram presas furtando 5 peças de roupa e alegaram estar desempregadas.
Nesse caso, nenhuma medida cautelar foi aplicada, e elas passaram um fim de semana presas em uma delegacia.
Pelo furto de camisetas em um varal, um desempregado continua preso sob fiança de um salário mínimo.
Fiança antes da lei
Depois da lei
De 1 a 5 salários mínimos (pena até 2 anos); de 5 a 20 salários mínimos (até 4 anos); e de 20 a 100 (pena de mais de 4 anos)
De 1 a 100 salários mínimos (pena menor de 4 anos); e de 10 a 200 salários mínimos (superior a 4 anos), e leva em conta a situação econômica do preso
“As famílias chegam aqui desesperadas. Não têm condições de pagar para soltar o parente, querem pedir emprestado”, diz Virgínia. “A lei em tese é ótima, mas na prática piorou a situação.”
As fianças vão de R$ 200 a dez salários mínimos, diz Reis. O Tribunal de Justiça de São Paulo e o governo do estado informaram que não possuem levantamento com o total de fianças recebidas nos processos.

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