terça-feira, 17 de julho de 2012

MP recebe dois pedidos diários para internação

Solicitações de tratamento forçado são feitas por familiares dos dependentes químicos, principalmente os do crack

Por Guilherme Arêas
Enquanto o Congresso Nacional discute projetos de lei - um na Câmara e outro no Senado - que autorizam a internação compulsória de dependentes químicos, ou seja, aquelas determinadas pela Justiça, esse procedimento já é realidade em Juiz de Fora. Aqui, o Ministério Público recebe, em média, duas solicitações de tratamento forçado por dia. São pedidos, cada vez mais frequentes, de famílias que lutam contra a resistência do usuário em se tratar e buscam, no Poder Público, a solução para o fim da dependência, quase sempre relacionada ao crack, entorpecente altamente viciante e considerado epidêmico no país. A quantidade de pedidos que se transforma efetivamente em medida judicial, no entanto, é bem menor. Este ano, até o início de junho, apenas três usuários de drogas haviam sido internados de forma compulsória em leitos oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Isso porque o procedimento é lento e depende de documentos probatórios, como laudos psiquiátricos, que vão atestar a real necessidade do tratamento forçado. Além da internação voluntária e compulsória, a lei 10.216, que dispõe sobre o atendimento de saúde mental no país, também prevê o procedimento involuntário, quando a internação se dá sem consentimento do usuário e a pedido de terceiros. Neste caso, o Ministério Público Estadual deve ser informado pelo responsável técnico do estabelecimento de saúde num prazo de 72 horas após a internação.
O crescimento das solicitações de internação compulsória fomenta a polêmica em torno do assunto. Quem é contra alega que o procedimento desrespeita o direito à liberdade do indivíduo, portanto, uma violação de direitos humanos. Outra crítica é a de que, se popularizada, a medida afetaria apenas a parcela mais pobre da população. Quem defende argumenta que a prática - autorizada exclusivamente mediante decisão judicial - é a única alternativa em casos extremos, quando o usuário oferece riscos a si e a terceiros. Hoje, em toda Minas Gerais, a Secretaria Estadual de Saúde (SES) realiza média de 15 internações compulsórias mensais nos hospitais da rede estadual.
O tratamento forçado contra as drogas é uma prática recente no Brasil, intensificada no Rio de Janeiro e em São Paulo, quando os poderes públicos daquelas capitais adotaram iniciativas para tentar erradicar as chamadas cracolândias. "Há caso, inclusive, de paciente que estava na cracolândia em São Paulo, mas agora retornou a Juiz de Fora por medo de ser internado de forma compulsória lá", exemplifica a psicóloga Franca Leone, especialista no tratamento de viciados em drogas.
Em Juiz de Fora, os pedidos intensificaram-se a partir de meados do ano passado e geralmente vêm associados à solicitação de interdição do dependente químico. Isso porque, na maioria dos casos, o paciente já não tem mais condições de administrar seus bens e gerir sua própria vida. Na 1ª Vara de Família, por exemplo, um em cada 20 pedidos de interdição é acompanhado de solicitação de internação compulsória para tratamento da dependência química. "O procedimento geralmente é destinado ao usuário que recusa o tratamento, e a família já está em situação limítrofe do desespero", explica a juíza Raquel Gomes Barbosa.
Procedimentos
As solicitações de internação compulsória costumam partir dos próprios familiares. Conforme a titular da 20ª Promotoria de Saúde, Direito dos Deficientes e Proteção aos Idosos, Carolina Andrade Borges de Mattos, antes de ajuizar o pedido, o Ministério Público exige avaliação psiquiátrica do paciente para verificar as efetivas dependência química e necessidade da internação. "A internação psiquiátrica, em qualquer das modalidades admitidas na legislação, deve ser pautada pela transitoriedade. Então, não há motivo para críticas a esse procedimento, se houver cautela." A solicitação também pode partir do próprio advogado da família à vara competente, que vai deferir ou não o pedido, baseado na lei 10.216/01, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais.
"Quando a decisão de internação compulsória é expedida, a abordagem ao paciente é cercada de cuidados. Ele é abordado por profissionais e encaminhado à unidade de saúde. Só há participação de policiais se o paciente oferece muita resistência e há risco a terceiros. Fora isso, o enfrentamento da questão é feito de forma bastante reservada, por profissionais ligados à área da saúde", esclarece a juíza Raquel Gomes Barbosa.

Eficiência do método é questionada

Os indícios colhidos até agora por técnicos do Ministério da Saúde sugerem que o tratamento de pacientes internados compulsoriamente é efetivo em apenas 2% dos casos, enquanto que 15% dos usuários internados voluntariamente conseguem sucesso na luta contra as drogas na rede pública. O maior percentual, no entanto, fica com os tratamentos ambulatoriais, que alcançam êxito em 35% dos casos.
"Ser levado contra a vontade para um lugar fechado é, para o dependente, como se fosse um cárcere", constata a psicóloga Franca Leone. Mesmo assim, ela enxerga que a internação compulsória veio para ficar. "O dependente de crack, por exemplo, costuma perder, além da integridade, a capacidade de discernir o certo do errado", justifica. No entanto, a especialista teme que, com a popularização da prática, haja falta de vagas na rede pública.
'Há vagas'
O chefe do Departamento de Saúde Mental da Secretaria de Saúde, José Eduardo Amorim, considera baixa a quantidade de três internações compulsórias realizadas na cidade este ano. Segundo ele, um dos fatores que pode determinar a necessidade de tratamento forçado é a dificuldade de acesso do usuário ao tratamento público. "Em Juiz de Fora, há oferta de 32 leitos em hospital geral, 32 em comunidades terapêuticas e outros 32 para tratamento de dependência de jovens, incluindo adolescentes, a partir de mandados da Vara da Infância e da Juventude. Sem contar os leitos psiquiátricos que eventualmente são utilizados para tratar a dependência química."
A titular da 1ª Vara da Família, Raquel Gomes Barbosa, também observa uma situação ainda confortável no que se refere à oferta de vagas públicas para dependentes. "A imposição da internação por falta de vagas no sistema público de saúde ainda não é uma realidade em Juiz de Fora, felizmente."
"Paralelo a isso, os serviços substitutivos, como os Caps (Centros de Atenção Psicossocial), principalmente o Caps Álcool e Drogas, e a atuação de programas, como o 'Consultório de rua', ajudam a diminuir a demanda por internações", completa Amorim.
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Os comentários postados pelos leitores deste blog correspondem a opinião e são responsabilidade dos respectivos comentaristas leitores e não correspondem, necessariamente, a opinião do autor do Blog dos Agentes Penitenciários de Juiz de Fora.

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.