O tráfico e o consumo de drogas, antes
reservados aos becos e às madrugadas, vêm acontecendo de forma cada vez
mais escancarada e em plena luz do dia. Moradores de várias regiões de
Juiz de Fora denunciam o avanço do problema e a necessidade de mudarem
de hábitos e evitarem lugares por conta das drogas. Cansados da
situação, alguns afirmam que já não notificam mais os órgãos de
segurança pública, optando pela reclusão. Em casos extremos, porém,
buscam intervir, tentando acabar com o problema por meios próprios. Esta
realidade pode significar, como apontam especialistas, falhas na
atuação dos órgãos repressores, apesar das operações que têm sido
realizadas para combater a venda de entorpecente. Nos últimos meses, a
Tribuna colheu relatos de cidadãos incomodados com o comércio ilegal de
entorpecentes tão perto de casa. Entre as denúncias recebidas pelo
jornal chama atenção a de um estudante e trabalhador, morador do Santa
Luzia, Zona Sul. Indignado, ele, que prefere o anonimato por medo da
situação, denuncia o tráfico em diversos pontos do bairro e questiona
por que não há mobilização das autoridades para conter o que chama de
"fatos aterrorizantes", uma vez que muitos destes locais para venda e
uso de tóxico ficam ao redor de uma unidade policial. O estudante mapeou
os espaços (ver quadro), onde, segundo ele, é possível ver o tráfico
acontecendo frequentemente durante o dia e à noite. As ruas Torreões e
Porto das Flores e as Avenidas Ibitiguaia e Santa Luzia aparecem no
roteiro do denunciante.
Ainda na região Sul, no Bairro São Mateus, moradores da Rua Doutor
Luiz Antônio Vieira Pena contam que a presença de pessoas consumindo
drogas é constante, principalmente maconha e cocaína. Segundo eles, a
todo o momento, é preciso negociar com os usuários para se respirar ar
puro dentro de casa, já que o cheiro forte da maconha penetra os
ambientes. Na Zona Leste, no Progresso, nas ruas Augusto Stoppa e
Adelina Maria da Costa, o tráfico se dá com a ajuda de crianças e
adolescentes, que atuariam como olheiros para alertar sobre a presença
da polícia. Traficantes vendem entorpecente ao longo da via sem se
importar com os ares repreensivos dos residentes.
No Grama, na região Nordeste, a praça foi tomada por pessoas
suspeitas que comercializam e consumem drogas. Mães e pais do entorno do
espaço público passaram a proibir os filhos de frequentarem o local. No
final da Rua Halfeld, no Centro, moradores denunciam o consumo de
drogas diário, em uma gruta aos pés do Morro do Imperador. O local é
frequentado por adolescentes, muitas vezes, uniformizados, indicando que
as aulas estão sendo cabuladas para a prática delituosa. Quem mora ao
redor se sente inseguro e incomodado com o odor de maconha, já que os
usuários não fazem questão de se esconder e intimidam a vizinhança.
Morador mapeia áreas tomadas em Santa Luzia
Morador do Bairro Santa Luzia, o estudante que procurou a Tribuna se
sente revoltado ao ver as ruas invadidas por grupos de infratores. "Não
dá para entender por que fatos tão aterrorizantes acontecem tão perto de
uma companhia da PM. Adolescentes estão sendo levados para o mundo das
drogas, seja como consumidores ou 'mulinhas do tráfico'. Tudo o que está
acontecendo é por causa da omissão das forças de segurança e da
impotência das leis", protesta o rapaz. Entre os pontos que ele situa no
mapa encaminhado ao jornal, a Rua Torreões, chamada de "ponto crucial
do inferno", é a que mais o preocupa, pois termina em um escadão de
acesso ao Cruzeiro do Sul. "Um grande número de crianças presencia tudo,
pois traficantes e consumidores não respeitam ninguém", afirma,
lembrando que há uma escola perto. A reportagem esteve lá e confirmou a
existência de jovens supostamente comercializando droga na rua. O grupo
desceu do escadão e se dirigiu até a esquina, onde entregou um embrulho
suspeito a um homem.
Já no São Mateus, um funcionário público, 47 anos, morador da Rua
Doutor Luiz Antônio Vieira Pena, afirma que usuários de entorpecentes
tomam a frente da casa dele nos fins de semana. "Frequentemente ligamos
para a polícia, mas o patrulhamento não vem. Acabo tendo que conversar
com estes indivíduos e solicitar que se retirem. Temos criança e
adolescente em casa. A sala e o quarto ficam tomados pelo cheiro da
droga, que impregna parte da casa. É preciso ligar o ventilador para que
meu filho de 6 anos não sinta o cheiro." O grupo usa o capô de veículos
e o muro das casas para cheirar cocaína.
No Manoel Honório, região Leste, o consumo e a venda de drogas são
realizados em um trecho entre as ruas Eugênio Fontainha e Professor
Francisco Faria. A Tribuna ficou por cerca de uma hora acompanhando a
movimentação no local. Um rapaz ficou ali por uns instantes, aguardando a
passagem de outros. Com a chegada de outro homem, eles conversaram. O
primeiro se dirigiu a um carro estacionado na Rua Professor Francisco
Faria. Ele encostou no veículo e abriu a tampa do tanque de gasolina,
recolhendo o que parecia ser droga. Um terceiro homem subiu a via a pé, e
os dois fizeram a troca de um objeto. Um carro da Polícia Civil desceu a
rua, mas os homens não levantaram suspeita. Depois da negociação, eles
se dispersam e ocupam pontos diferentes. "Aqui a droga corre a noite
inteira. A gente já até sabe e evita passar por perto", diz uma
moradora.
Ainda na Zona Leste, moradores das ruas Augusto Stoppa e Adelina
Maria da Costa, no Progresso, estão cansados de acompanhar a rotina de
crianças e adolescentes com celulares nas mãos, atuando como olheiros.
"Estes garotos são usados para avisar o traficante sobre a presença
policial. É uma situação revoltante", afirma um residente, acrescentando
que os traficantes amedrontam a comunidade. "Andam com fincos, facas e
até revólveres."
Fragilidade da repressão incita mais casos
Pesquisa do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas
Públicas do Álcool e Drogas, divulgado no último dia 6, aponta o Brasil
como o segundo maior consumidor de cocaína do mundo. Pelos menos 2,8
milhões de pessoas no país já usaram o entorpecente de forma inalada ou
fumada - via consumo de crack ou oxi -, nos últimos 12 meses. Estes
números colocam o país atrás apenas dos Estados Unidos, onde 4,1 milhões
usaram a droga no último ano.
Para o coordenador do Centro de Pesquisas em Segurança Pública da PUC
Minas, Luiz Flávio Sapori, o consumo de drogas de forma aberta, sem
receio de algum tipo de fiscalização, é mais ligado ao usuário de crack,
uma vez que este tem característica diferente de consumidores de outros
entorpecentes, pois se importa menos com o controle externo. Como
Sapori aponta, esta realidade é comum em cidades de médio e grande
porte, e Juiz de Fora se encaixa neste cenário. Já a comercialização e o
uso de outras substâncias ilícitas, conforme o especialista, pode
ratificar a reclamação dos cidadãos sobre falta de ação repressiva. "A
venda e o consumo de maconha e de cocaína, por exemplo, exigem algum
tipo de contenção devido à repressão. Se isso vem acontecendo em via
pública e à luz do dia, a explicação está na diminuição do fator
repressivo, denotando que existe falha na ação policial."
Conforme o presidente da OAB de Juiz de Fora, Wagner Parrot, a
população, para resolver o problema que se apresenta perto das
residências e a olhos vistos, só pode recorrer ao aparato de segurança
pública, que se faz presente na sociedade por meio das polícias Militar,
Civil e Federal. "O grande problema é que existem muitas denúncias, e
não se veem muitas ações para combater o problema. Na Polícia Civil, por
exemplo, a defasagem de policiais é gritante. Isso, com certeza,
prejudica a apuração dos fatos. Quando não há meios de se contar com
este aparato do Estado, que é o legítimo, a população começa a fazer
justiça com as próprias mãos. As pessoas se armam para se defender e
recorrem até a linchamentos."
Abuso em praça mesmo com ações policiais
No dia 8 de setembro, a Tribuna acompanhou cerca de dez jovens,
consumindo maconha, na Praça Menelick de Carvalho, na região central. O
espaço público também é apontado pelos moradores como ponto frequente
para uso de drogas, afastando a vizinhança. Neste dia, todavia, houve
intervenção da Polícia Militar. Durante quase uma hora, a reportagem
observou o grupo. Os rapazes prepararam o papel de seda, enrolaram dois
cigarros e os acenderam. A droga passou a ser tragada por mais de uma
pessoa, em meio à movimentação da praça e sem a preocupação com quem
circulava. Depois de quase 30 minutos, surgiram três policiais militares
de motocicletas e abordaram as pessoas, que passaram por revista. O
consumo de entorpecente na área já tinha sido mostrado pela Tribuna em
abril. Cinco meses depois, o cenário parece não ter mudado. O delegado
regional da Polícia Civil, Paulo Sérgio Virtuoso, considera que uma das
causas dessa prática às claras de uso de drogas é a mudança da
legislação. "Com a Lei 11.343/2006, o usuário não é mais visto como
alguém que transgride a lei ou comete crimes. A descriminalização do uso
de drogas favoreceu a sensação de impunidade destes usuários." Quanto
ao tráfico, ele informou que todas as distritais da 1ª Delegacia
Regional de Polícia Civil têm como prioridade o combate ao tráfico e aos
crimes dolosos contra a pessoa, principalmente o homicídio. Desta
forma, vários levantamentos estão em andamento através de investigações
detalhadas no sentido de identificar os traficantes, materializar o
crime e representar por mandados de busca e apreensão e de prisão dos
envolvidos.
De acordo com a major da PM, Kátia Morais, que responde pela
assessoria de comunicação da 4ªRegião da PM, no que se refere a
denúncias de consumo de drogas em via pública, a população deve ligar
para o 190, já que a corporação tem o dever de se deslocar até o local
para averiguar a situação. "É preciso verificar, pois pode haver menores
sendo utilizados para comercializar e até pessoas foragidas, por isso é
importante o deslocamento da viatura. Já nos casos do usuário, a PM
adota como procedimento a apreensão e o encaminha para delegacia. Se
esta providência não está adotada, pode estar acontecendo de algum
atendente do 190 estar passando informações erradas. Vamos olhar essa
situação e tomar medidas cabíveis", afirmou a militar. Quanto ao
tráfico, ela ressaltou que, ao longo do ano, várias ações são
desencadeadas a fim de combater o comércio ilegal com apreensão de vasto
material (ver quadro). "Realizamos operações conjuntas com as polícias
Civil e Federal, além de fazermos um trabalho de mapeamento das áreas
onde o tráfico acontece. Esses dados são repassados às unidades da PM,
para que iniciativas de combate sejam realizadas nestas áreas. A
população pode contribuir por meio do disque 181."
http://www.tribunademinas.com.br/cidade/trafico-altera-rotina-em-bairros-1.1160657