Crueldade de jovens chama a atenção em homicídios da região metropolitana
FOTO: CHARLES DA SILVA DUARTE - 21.6.2012
Coração. Garotas que mataram e arrancaram o coração da amiga prestaram depoimento no fim da semana
Atrair
a vítima para uma emboscada, surpreendê-la com uma facada no pescoço e
só terminar a agressão após ter o coração do inimigo nas mãos. A
crueldade foi praticada há quase um mês por duas adolescentes de 13
anos, assassinas confessas da amiga Fabíola Santos Correa, 12, no bairro
Primavera, em São Joaquim de Bicas, na região metropolitana de Belo
Horizonte. Elas se tornaram o exemplo mais evidente de uma geração cada
vez mais marcada pela prática de crimes violentos.
Só em 2011, 36
homicídios foram praticados por menores de 18 anos na capital e na
região metropolitana, o que representa um aumento de 13% em comparação
com 2010, quando foram registradas 32 ocorrências. A maioria dos
infratores (75,9%) tem entre 15 e 17 anos. As tentativas de homicídio
também tiveram um salto de 25% no período, passando de 24 em 2010 para
30 no ano passado, de acordo com dados do Centro Integrado de
Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional de Belo Horizonte
(CIA-BH).
O que também chama a atenção é a premeditação e os
requintes de crueldade. Em dezembro passado, Carolina (nome fictício),
14, foi encontrada em um terreno baldio de Betim, na região
metropolitana, com metade do corpo queimado e 44 perfurações de faca. O
atentado foi praticado por quatro vizinhas da vítima, sendo três
adolescentes e uma jovem de 20 anos. Carolina sobreviveu, mas até hoje
tenta apagar as marcas da violência.
Causas. A
juíza da Vara Infracional da Infância e Juventude de Belo Horizonte,
Valéria da Silva Rodrigues, acredita que os valores e as normas morais e
sociais não estão sendo repassados aos jovens como deveria ser, o que
resulta em violência. "Há uma total ausência desses ensinamentos".
Para
a magistrada, que lida diariamente com os infratores, a causa maior da
criminalidade entre adolescentes é a desestruturação familiar, associada
ao próprio caráter do indivíduo. "Tudo depende da família, da formação
que a pessoa recebe desde pequena e da própria índole dela", argumenta.
Outro
fator é a associação de jovens com o tráfico de drogas, campeão no
ranking de crimes mais praticados por adolescentes. Só em 2011, foram
1.978 ocorrências, um aumento de 5,9% em relação a 2009, quando
ocorreram 1.868 casos. O uso de drogas também é frequente, com 1.300
registros no ano passado. "Quase todos os atos infracionais praticados
por adolescentes têm as drogas como fator desencadeador", completa.
É
o caso do crime praticado em São Joaquim de Bicas. As meninas
confessaram para a polícia terem matado a amiga para evitar que ela
delatasse seus namorados, que são traficantes na região, para facções
inimigas. As três estavam sendo ameaçadas de morte por líderes do
tráfico.
A psicóloga e professora da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), Andréa Guerra, acredita que os adolescentes, por
estarem em uma fase de novidades e conflitos internos, correm mais
riscos e resolvem, muitas vezes com atos violentos, o que poderia ser
resolvido apenas com palavras. "Nada é mais humano do que o crime, e o
adolescente está mais vulnerável", explica a especialista.
Carolina
Fuga. Carolina nunca mais voltou para casa, em Betim, depois de ser
violentamente espancada por amigas. A família dela se mudou para outra
cidade mineira e mantém o destino em sigilo por medo.
Doença ou distúrbio?
"Crueldade está inserida no cotidiano dos jovens"
Não
é doença nem distúrbio. Para especialistas, a violência com requintes
de crueldade empregada por adolescentes não é exclusiva dos crimes
praticados por eles. "Trata-se de um sintoma social, que está presente
na família, na escola, no trabalho", explica Pedro Castilho, psicólogo e
psicanalista da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC
Minas).
O agravante, segundo ele, é que a proximidade da criança e
do adolescente com esse fenômeno pode ter efeitos drásticos. "Esse
público está passando por um momento de construção de personalidade e de
caráter, e ele pode se identificar com a violência".
Castilho
acredita ainda que há um certo glamour nas ligações que envolvem o
adolescente. "As relações na família, na escola, na igreja e no Estado
estão cada vez mais frouxas. O que importa é o direito à transgressão",
completou.
A psicóloga da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) Andréa Guerra também defende que a violência não é motivada por
uma tendência inata ou genética. "O que interfere são as marcas da
história de cada um". Ela explica que é na juventude que a pessoa decide
quem será na vida. "É comum os jovens aderirem a grupos e fortalecerem
os comportamentos um do outro". (LC)
Jovens demonstram frieza após cometerem crimes
Antes
do crime, adolescentes aparentemente normais, alegres e habituados a
ficar horas na rua, entre amigos. Depois do fato consumado,
tranquilidade e nenhum arrependimento. É assim que se revela o
comportamento de jovens que cometem crimes violentos.
De acordo
com a juíza da Vara Infracional da Infância e da Juventude de Belo
Horizonte Valéria da Silva Rodrigues, os infratores, de um modo geral,
não demonstram sentimento de tristeza.
"Eles não têm noção da gravidade e das consequências do ato, eles têm outra percepção da realidade", afirma.
Foi
o que aparentou a dupla de São Joaquim de Bicas. "As duas contaram
detalhes do crime sem nenhum pudor e ainda brincavam entre si", disse o
delegado Enrique Solla. (LC)
FOTO: João Miranda
Capital. Fachada do centro de reeducação no bairro Horto, na região Leste; ele só recebe meninas
Deficiências
Unidades têm déficit de vagas
Número de jovens internados é 6,3% superior ao de vagas existentes
Luciene Câmara
Assim
como o sistema prisional mineiro, que vivencia o caos da falta de
estrutura e de segurança para abrigar os presos maiores de 18 anos, os
centros de reabilitação social para adolescentes infratores do Estado
também convivem com a precariedade. O número de jovens que precisam
cumprir medidas socioeducativas de internação e semiliberdade é 6,3%
superior à capacidade há 1.334 internos para 1.255 vagas, um excedente
de 79 pessoas. A carência pode fazer com que o atendimento de
reeducação social dos adolescentes fique comprometido.
Filósofo e
membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Robson Sávio acredita
que, com a lotação, os centros de reabilitação não conseguem oferecer
atendimento individualizado aos infratores. "Há poucos funcionários para
muitos internos e eles acabam apenas monitorando os adolescentes, pois
não conseguem desenvolver ações educativas", explica Sávio.
Este
cenário, para Sávio, é reflexo do modelo de punição que ainda prevalece
no sistema de reabilitação. "A mentalidade é prender o jovem e não
recuperá-lo. Sem o atendimento adequado, os internos voltam para a rua
piores do que antes e caem no sistema prisional quando adultos", alerta.
A juíza da Vara Infracional da Infância e da Juventude de Belo
Horizonte, Valéria da Silva Rodrigues, explica que, embora as medidas
socioeducativas de internação e semiliberdade acabem por representar uma
punição para os jovens, que ficam privados de sua total liberdade, a
execução dessas práticas só é permitida se houver o caráter educativo,
conforme determina o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). "Todas
as medidas têm como princípio básico a educação para possibilitar a
reintegração do jovem infrator na família e na sociedade", declara a
magistrada.
O outro lado. A subsecretária de
Atendimento às Medidas Socioeducativas do Estado, Camila Nicácio, foi
procurada diversas vezes pela reportagem para comentar o assunto, mas
não deu retorno. A Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds)
informou, por meio da assessoria de imprensa, que a meta do governo é
criar 260 novas vagas para adolescentes infratores no sistema de
reabilitação social até 2014.
Para isso, serão construídos três
centros de internação, em Unaí, na região Noroeste, em Santana do
Paraíso, no Vale do Aço, e em Lavras, no Sul de Minas. O primeiro a
ficar pronto será o de Unaí, que deve ser entregue até junho de 2013. A
unidade será também a primeira da região Noroeste, até então
desassistida de centros. O investimento do governo nas obras é de R$ 11
milhões.
A Seds informou ainda que os centros de internação
contam com ensino regular, cursos profissionalizantes, oficinas de arte e
de cultura, além de práticas esportivas. Anualmente, são realizadas
olimpíadas esportivas com os adolescentes. Há também, segundo o órgão,
atendimentos com terapeutas ocupacionais, pedagogos, psicólogos,
advogados, assistentes sociais, médicos e dentistas.
Promessa
Futuro. A Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase) informou que
está
avaliando prédios já existentes na região metropolitana, Campo das
Vertentes e Sul do Estado para propor a criação de novas unidades
socioeducativas.
Brasil e mundo
Lei. A maioridade penal, fixada em 18 anos, é definida pelo artigo
228 da Constituição. Em países como EUA e Inglaterra não existe idade
mínima para a aplicação de penas. Em Portugal e na Argentina, a
maioridade penal ocorre aos 16 anos.
Congresso
Redução da idade penal está na pauta
Sempre
que um crime violento envolvendo adolescentes vem a público, a
discussão sobre a redução da maioridade penal volta a causar polêmica no
Brasil. Hoje, tramitam no Congresso Nacional dois projetos que foram
unificados propondo um plebiscito nas eleições deste ano. A ideia é que a
população decida se o país deve ou não criminalizar jovens a partir dos
16 anos e não aos 18, como funciona atualmente.
Um dos
projetos é de 2003, do então deputado Robson Tuma. O outro foi
protocolado, em outubro, por André Moura (PSC-SE). Ambos aguardam
votação da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), que
já teve parecer favorável do relator do projeto, o deputado
Efraim
Filho (DEM-PB). "A maioridade penal pode sim ser passível de redução, se
essa for a vontade expressa na consulta popular", avaliou Filho.
O projeto também será apreciado pelo plenário, mas ainda não há data definida. (LC)
Sem saída
Reincidência é de 31% entre os adolescentes
A
reincidência de adolescentes no crime mostra que a violência na vida
deles não é apenas ocasional, mas, sim, algo que permanece inserido em
seu meio de convivência. Só em 2011, dos 8.842 infratores menores de 18
anos que sofreram medidas socioeducativas, 2.803 foram parar mais de uma
vez na Justiça por prática de crimes ainda na adolescência. O número
exclui os 267 jovens que tiveram o processo arquivado, o que soma um
total de 9.109 entradas de adolescentes do Centro Integrado de
Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional de Belo Horizonte
(CIA-BH).
O resultado é uma reincidência de 31,7% em 2011,
segundo dados do CIA-BH. Entre os reincidentes, 55,58% deles deram
entrada duas vezes na polícia por conta de infrações, um total de 1.558
jovens. Outros 698 foram parar três vezes no CIA-BH só em 2011 e 300
repetiram atos infracionais pelo menos quatro vezes. Houve até um
adolescente que reincidiu 13 vezes no ano, o recorde registrado no
período, de acordo com os dados do centro de atendimento.
Para a
juíza da Vara Infracional da Infância e da Juventude, Valéria da Silva
Rodrigues, a repetição do infrator no crime não pode ser atribuída à
ineficácia da medida aplicada e, sim, a outros problemas que envolvem a
realidade do adolescente e ainda o que o poder público não consegue
resolver. "A saída para a diminuição do envolvimento dos jovens na
criminalidade é o investimento do Estado na prevenção da violência",
finaliza a juíza. (LC)
OPORTUNIDADES DE RECUPERAÇÃO
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